

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 119 - 141, jan - fev. 2015
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Quando Benjamim
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afirma que esta violência mística, enunciada
em prescritivos ditatoriais, é mais arrasadora nos regimes democráticos
que na monarquia absoluta (pois neste a polícia reúne o poder soberano)
na medida em que sua presença não é sublimada por uma relação desta
índole, assim testemunhando a maior degenerescência imaginável deste
poder nas democracias, há aí um convite deste sempre já assumido por
se deter. A aproximação deste objeto fantasmático, ausente e presente,
como visto, permite Derrida
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identificar o nada supérfluo sentido que se
eleva diante disto como
espírito
: poder que vem de fora, do alto, e que de-
tém a faculdade de exercer a ditadura – essência de um poder espiritual.
Espiritualismo de uma soberania que a nada apela senão a si misticamen-
te. Por ser intrinsicamente uma ação alavancada por uma violência sem
escrúpulos (na monarquia, como aludido, vê-se esta autoridade aí como
normal), a violência policial como espírito na democracia se degenera.
Por que então não assumir que “a degenerescência do poder democrático
não teria outro nome senão polícia”? Diretamente, indicando a travessia,
porque em democracia não se deve(ria) conceber – porque ilegítimo – tal
espírito da violência da polícia. Ao final, o que se constata também é que
a democracia, pela violência policial, nega seu próprio princípio, imiscuin-
do-se num deplorável espetáculo hipócrita de compromisso democrático.
“Na monarquia absoluta, por mais terrível que seja, a violência po-
licial mostra-se tal qual ela é e tal qual deve ser em seu espírito, enquanto
a violência policial nas democracias nega seu próprio princípio, legislando
de modo sub-reptício, na clandestinidade.”
Coação direta, poder de um Estado de polícia que implica
dizer
e
não aceitar
,
talvez
, algo que carregue o nome de
democracia
. Não como
regime político se apela a ela simplesmente, segue sempre ela
por vir
,
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a engendrar-se e se regenerar, na impaciência urgente dos instantes, pro-
messa que corre, correndo o risco de se perverter em ameaça. Aporia da
existência do impossível, em última análise, aporia do
demos
: é simulta-
neamente a singularidade incalculável de qualquer um
e
a universalidade
do cálculo racional.
54 BENJAMIN, Walter. “Crítica da Violência – Crítica do Poder”, p. 166-7.
55 DERRIDA, Jacques.
Force de Loi:
“Fondement Mystique de l´Autorité”, p. 1012.
56 DERRIDA, Jacques.
Políticas da Amizade
. Seguido de
O Ouvido de Heidegger
. Tradução de Fernanda Bernardo.
Porto: Campos das Letras, 2003, p. 42.