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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 119 - 141, jan - fev. 2015

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Quando Benjamim

54

afirma que esta violência mística, enunciada

em prescritivos ditatoriais, é mais arrasadora nos regimes democráticos

que na monarquia absoluta (pois neste a polícia reúne o poder soberano)

na medida em que sua presença não é sublimada por uma relação desta

índole, assim testemunhando a maior degenerescência imaginável deste

poder nas democracias, há aí um convite deste sempre já assumido por

se deter. A aproximação deste objeto fantasmático, ausente e presente,

como visto, permite Derrida

55

identificar o nada supérfluo sentido que se

eleva diante disto como

espírito

: poder que vem de fora, do alto, e que de-

tém a faculdade de exercer a ditadura – essência de um poder espiritual.

Espiritualismo de uma soberania que a nada apela senão a si misticamen-

te. Por ser intrinsicamente uma ação alavancada por uma violência sem

escrúpulos (na monarquia, como aludido, vê-se esta autoridade aí como

normal), a violência policial como espírito na democracia se degenera.

Por que então não assumir que “a degenerescência do poder democrático

não teria outro nome senão polícia”? Diretamente, indicando a travessia,

porque em democracia não se deve(ria) conceber – porque ilegítimo – tal

espírito da violência da polícia. Ao final, o que se constata também é que

a democracia, pela violência policial, nega seu próprio princípio, imiscuin-

do-se num deplorável espetáculo hipócrita de compromisso democrático.

“Na monarquia absoluta, por mais terrível que seja, a violência po-

licial mostra-se tal qual ela é e tal qual deve ser em seu espírito, enquanto

a violência policial nas democracias nega seu próprio princípio, legislando

de modo sub-reptício, na clandestinidade.”

Coação direta, poder de um Estado de polícia que implica

dizer

e

não aceitar

,

talvez

, algo que carregue o nome de

democracia

. Não como

regime político se apela a ela simplesmente, segue sempre ela

por vir

,

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a engendrar-se e se regenerar, na impaciência urgente dos instantes, pro-

messa que corre, correndo o risco de se perverter em ameaça. Aporia da

existência do impossível, em última análise, aporia do

demos

: é simulta-

neamente a singularidade incalculável de qualquer um

e

a universalidade

do cálculo racional.

54 BENJAMIN, Walter. “Crítica da Violência – Crítica do Poder”, p. 166-7.

55 DERRIDA, Jacques.

Force de Loi:

“Fondement Mystique de l´Autorité”, p. 1012.

56 DERRIDA, Jacques.

Políticas da Amizade

. Seguido de

O Ouvido de Heidegger

. Tradução de Fernanda Bernardo.

Porto: Campos das Letras, 2003, p. 42.