

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 119 - 141, jan - fev. 2015
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a vida e os vivos e que penetra todas as esferas da existência e as mobiliza
inteiramente
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– que dissolve as relações pessoais em processos de explo-
ração e que, sob a roupagem imoral da convivência, é conivente à disposi-
ção de um “sistema impessoal” que carrega toda a culpa. Enquanto conti-
nuarmos funcionando, reproduzindo papéis (institucionais) confortáveis,
e escondendo-nos por detrás de uma paranoia sistêmica (“o sistema é
o culpado”), mais reproduziremos tais ambientes anêmicos de qualquer
crivo vital. Não há saída senão no esforço incansável de nos reconhecer-
mos nestes processos impessoais, nestes métodos e sistemas que criamos
para nossa própria existência: em termos de segurança pública, enfim,
como viabilizamos e de que maneira estamos implicados nas diversas for-
mas de fascismos que reivindicamos e operacionalizamos, estejamos ou
não mais ou menos distantes das forças de segurança.
Se a polícia realiza o trabalho soberano obsceno conduzido pela
política, o trabalho sujo que não assumimos, criando perenes
zonas de
indiferenciação
, é porque, ademais, em um nível óbvio, começamos a ser
confrontados com uma conclusão radical: de uma maneira mais elementar,
todos somos “excluídos”,
capturados da exceção soberana
, no sentido da
ex-posição
inexorável de todos aos vínculos entre direito e violência
, isto
para além da coação direta (i)limitada respaldada juridicamente, onde o es-
paço público democrático é tornado uma máscara da sua
decisão
. Quando
a figura do
homo sacer
parece ausente da cultura contemporânea como tal
é porque algo da sua sacralidade (matável e insacrificável) se deslocou mais
profunda, vasta e obscuramente para espaços indiferenciados de neutrali-
zação, “significando que somos todos
homines sacri
” – matáveis.
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Máscara que as jornadas de junho apenas a nu deixaram o rosto da
obscena promiscuidade do autoritarismo em nossas democracias. Sob a
mentirosa leitura acerca da liberdade de expressão e a vedação do ano-
minato estampada na Constituição (pois que espécie de anomimato seria
este que bastaria qualquer dos sujeitos detidos ser civilmente identifica-
do?) novamente a lei (ou resolução, normativa, regulamento, qualquer
termos biológicos, já a segunda etapa, não dissociada da primeira, o termo é utilizado para remeter ao modo em
que o Estado, a política e o governo tomam conta, com seus cálculos e mecanismos, da vida biológica do homem.
Ademais, vale conferir CASTRO, Edgardo.
Lecturas foucaulteanas
:
una historia conceptual de la biopolítica.
La Plata:
UNIPE: Editorial Universitária, 2011, p. 15-37 e, sobretudo, ESPOSITO, Roberto.
Bíos
–
Biopolítica y filosofía
. Buenos
Aires: Amorrortu, 2011, p. 22-72.
22 PELBART, Peter Pál.
Vida capital
: ensaios de biopolítica. São Paulo: Iluminuras, 2011, p. 55-60.
23 PELBART, Peter Pál.
Vida capital,
p. 62.