

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 119 - 141, jan - fev. 2015
137
tre poder instituinte e poder mantenedor do direito.”
49
Fundação e con-
servação mescladas na violência policial difusa, a qual permitirá Derrida
afirmar que “antes de ser ignóbil em seus procedimentos, na inquisição
inominável à qual se entrega, sem nenhum respeito, a violência policial,
a polícia moderna é estruturalmente repugnante, imunda por essência
dada sua hipocrisia constitutiva”.
50
“Paradoxo [de] uma iteralibilidade”
51
que inscreve a conservação
na estrutura essencial da fundação, a qual, ademais, firma a condição de
se apresentar uma violência por outra, sem limites, suprimir e suspender
qualquer distinção. Uma fantasmagoria, afinal, do próprio Estado, visto
agora a nu, que longe de somente aplicar a lei pela força, permite inventá-
-la, já que capaz de intervir e lidar com o obsceno de cada situação jurídi-
ca. “É a força de lei, tem força de lei.”
52
Quase todo tempo, comporta-se
como legislador, e qualquer de seus protocolos limitadores ou ordena-
ções disciplinares são a exata contraface de que não se pode apagar ou
eliminar. A suficiente indeterminação do direito é que a fará apelar a esta
ex-posição
e se arrogar sempre a possibilidade de criar e sustentar seu
equívoco ignominioso. Estranho seria surpreendermo-nos com a íntima
correlação entre esquadrões e milícias da morte, com as arbitrariedades
para garantia da segurança, dos desacatos construídos, ou de quaisquer
outras exemplares figuralidades ilimitadas que, a toda momento, redo-
bram e reproduzem mais violência.
Não terá chegado o momento de se questionar por que de forma
inédita as nossas democracias estão mais expostas a tais ingerências ou,
ainda, por que esta coextensividade político-policial quiçá seja a marca
da ostensividade democrática atual
53
, confirmando a essência policial da
coisa pública? Ao tentarmos nos proteger – ou quem sabe infantil e co-
niventemente ignorar – (d)este espectro que se volta alucinante e que
ocupa todas as partes, incluso onde não está presente, quer dizer noutros
termos, tudo não está a indicar que ao nos pretender imunes a este tipo
de performance, contrariamente não estaremos autoimunizando e dege-
nerando a própria democracia?
49 BENJAMIN, Walter. “Crítica da Violência – Crítica do Poder”, p. 166.
50 Trecho retirado diretamente da versão brasileira, DERRIDA, Jacques.
Força de Lei
: o fundamento místico da auto-
ridade. Tradução Leyla Perrone-Moisés. São Paulo: Martins Fontes, 2010, p. 98-99.
51 DERRIDA, Jacques.
Force de Loi:
“Fondement Mystique de l´Autorité”, p. 1006.
52 DERRIDA, Jacques.
Força de Lei,
p. 99.
53 Cf. o nosso “A Vertigem da Ostensão Penal”
. In
:
Revista de Estudos Criminais
(Publicação do !TEC – Instituto
Transdisciplinar de Estudos Criminais) – Ano X – 2012 (outubro/dezembro) – Nº 47, p. 111-142.