

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 119 - 141, jan - fev. 2015
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concatenados institucional, burocrática e juridicamente via sistema penal
e, para além dele, por dispositivos legais de uma razão jurídico-estatal,
sobretudo transbordando-a organizados como
força de polícia
–
força de
lei.
Como extrema consequência de uma lógica do nazismo, esta radica-
lização do mal está ligada também a uma fatal corrupção da democracia
parlamentar e representativa por parte de uma polícia moderna, de si
inseparável, convertida em legisladora e cuja
espectralidade
acaba por
governar a totalidade do espaço político.
35
Nada à toa que um dos mais
radicais textos sobre a crise do modelo de democracia burguesa, liberal
e parlamentar deposite um de seus nós górdios sobre a figura da polícia.
Será desde a firma de Walter Benjamin a condução num patamar inédito
– sob sua “filosofia da história” principalmente através do clássico “Crítica
da Violência – Crítica do Poder” (
Zur Kritik der Gewalt
) –, ao âmago do
conceito de violência indissociável do direito.
36
Sobre o interesse do monopólio da violência pelo direito que re-
pousa a própria tautologia fundadora da lei: o direito protege a si através
desta performance.
37
Neste traço, (des)construir com Derrida e Benjamim
passa por destacar uma
violência fundadora
(
die rechtsetzende Gewalt
),
que institui e estabelece o direito, e uma
violência que conserva
(
die recht-
serhaltende Gewalt
), mantém e confirma o direito, permitindo vislumbrar,
além do fato de que a violência não é exterior à ordem do direito mas vem
dele e o ameaça ao mesmo tempo, a
pro-posição
de um momento (não de
oposição!) que ambas tocam-se numa espécie de “contaminação diferen-
s
ial” (
différantielle
)
38
– algo como que um instante de “iterabilidade” (
itéra-
bilité
), de posição e conservação do direito que não se poderá romper. Em
suma, a violência que funda implica a violência da conservação do direito.
Aquilo que, já no seu âmago mais profundo, suspende-o. Dirá Derrida:
35 DERRIDA, Jacques.
Force de Loi:
“Fondement Mystique de l´Autorité”, p. 1041.
36 BENJAMIN, Walter. “Crítica da Violência – Crítica do Poder”, p. 160-175.
37 BENJAMIN, Walter. “Crítica da Violência – Crítica do Poder”, p. 162.
38 Propositalmente grafamos “diferensial” para tentar nos aproximar da intraduzível “diferensa” (différance) der-
ridiana que remete a mesma sonoridade da diferença puramente lógico-conceitual (différence), contudo que deve
acentuar o exercício
diferidor
da própria diferença, sua efetividade para além do conceito a pulsar, sob a mesma
pronúncia, algo diverso com relação a si próprio “através da
temporalização
de si mesma” (SOUZA, Ricardo Timm
de.
Razões Plurais
: Itinerários da Racionalidade ética no Século XX – Adorno, Bergson, Derrida, Levinas, Rosenzweig.
Porto Alegre: EDIPUCRS, 2004, p. 136 (nota 23). Como dirá o próprio Derrida, “trata-se para mim sempre da força
como différance ou force de différance (a différance é uma força diferida-diferidora, da relação entre a força e a
forma, a força e a significação (...)”. DERRIDA, Jacques.
Force de Loi
: “Fondement Mystique de l´Autorité”, p. 928.