

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 119 - 141, jan - fev. 2015
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“Pois, mais além da intenção explícita de Benjamin, eu proporia a
interpretação segundo a qual a violência mesma da fundação ou de
po-
sição do direito
(rechtsetzende Gewalt) deve implicar a violência da con-
servação (rechtserhaltende Gewalt) e não pode romper com ela. Faz parte
da estrutura da violência fundadora aquilo que apela à repetição de si e
funde o que deve ser conservado, conservável, prometido à herança, e
à tradição, à partição. Uma fundação é uma promessa. Toda posição ou
estabelecimento (Setzung) permite e promete, estabelece pondo e pro-
-pondo. (...) Inscreve assim a possibilidade da repetição no coração do ori-
ginário. De pronto, já não há fundação pura ou posição pura do direito e,
em consequência, pura violência fundadora, como tampouco há violência
puramente conservadora. A posição é já ´iterabilidade´, chamada à re-
petição autoconservadora. A conservação, a sua vez, segue sendo refun-
dadora para poder conservar aquilo que pretende fundar. Não há, pois,
oposição rigorosa entre a fundação e a conservação, tão somente o que
chamaria (e que Benjamin não nomeia) uma
contaminação
diferensial
(différantielle)
.
”
39
Tocamos inelutavelmente o cerne da questão sem subterfúgios. A
anomalia da juridicidade inscreve-se ruidosamente, “pois o poder mante-
nedor do direito é um poder ameaçador”
40
. Ameaça
ao
e
do
direito desde
seu interior, não essencialmente uma força bruta pronta a atingir certo
fim, entretanto, contraditoriamente, autoridade que consiste em amea-
çar ou destruir uma ordem de direito dada, precisamente aquela mesma
que concedeu ao direito esse direito à violência. Ameaça
do
direito: em
si ameaçador e ameaçado,
destino
que vem dele e a ele ameaça.
41
Se a
origem do direito, pois, é uma posição violenta, este instante se manifesta
de maneira mais pura ali exatamente onde é mais absoluto, sob o adágio
da decisão sobre a vida e a morte – tal como se
pro-põe
na possibilidade
da própria pena de morte (afinal, de(o) direito, pode-se não falar da pena
de morte? Aboli-la e desautorizá-la é tocar no princípio mesmo do direito,
não de outra forma, é também sumariamente confirmar o coração podre,
arruinado e carcomido do direito).
42
Todavia, não será este índice apenas
39 DERRIDA, Jacques.
Force de Loi:
“Fondement Mystique de l´Autorité”, p. 996.
40 BENJAMIN, Walter. “Crítica da Violência – Crítica do Poder”, p. 165.
41 DERRIDA, Jacques.
Force de Loi:
“Fondement Mystique de l´Autorité”, p. 1002.
42 DERRIDA, Jacques.
Séminaire La peine de mort.
Volume I (1999-2000). Édition établie par Geoffrey Bennington,
Marc Crépon et Thomas Dutoit. Paris: Galilée, 2012, p. 49-50. Sucintamente em DERRIDA, Jacques; ROUDINESCO,
Elisabeth. Tradução André Telles. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2004, p. 166-198.