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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 119 - 141, jan - fev. 2015

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sões cabais (des)legitimantes que tentem obliterar o surpreendente

inantecipável. Não obstante, ao que parece, inolvidável que, dentre as

possibilidades múltiplas que se aventam tocar, nas franjas das relações

entre Estado e Sociedade, há um espaço privilegiado que se entrevê na

leitura destas pluralidades, onde

ex-surge

um

ponto cego da soberania

política

: a

polícia

.

Para além de um imaginário coletivo capturado, não de hoje, pelo

solipsismo de uma violência desigual que, de forma inevitável, começa

agora a literalmente respirar alguns grupos por/pela

exceção

(falamos

diretamente de grupos sociais pouco afeitos a serem provocados mais

diretamente por um contexto de violência, fartamente vivido pelo contin-

gente vulnerável de nossas localizações periféricas) – ao menos que sirva

oportunamente esta condição de violência (naturalizada do cotidiano da-

queles restos da história e que choca atualmente por sua presença visível

alguns outros) como pretexto para minimizar o injustificável retardo, nem

que seja sob a inspiração de um devir minoritário, para romper o tom da

discussão cínica e enfadonha que não raro hoje temos sobre a

soberania

,

e ingressar nas lições sobre as

zonas des-localizáveis infinitas de irredutí-

vel indistinção

entre a

vida nua

e

espaço político

.

12

Quando a íntima solidariedade entre democracia e totalitarismo

toma corpo e a

soberania

demonstra sua

forma de relação

por excelência,

que é a da

exceção

, violência e direito num vínculo inextrincável, como viu

Benjamin

13

(prolongado por

Agamben), em que o ordenamento jurídico

suspende a regra – “aplicar-se desaplicando-se” – dando lugar à exceção,

diante desta promíscua e original liminariedade definidora da estrutura

jurídico-política fundamental, qualquer crítica radical responsável sobre

este

abandono

– da vida ban(d)ida em si – não pode mais deixar de pôr

em questão este

enigma.

Se o

campo

exposto por

vidas matáveis

, naturalizado pelo cotidia-

no genocídio dos refugos da história dos excluídos, talvez tenha se apro-

ximado e se tornado ostensivo (a concretude das deploráveis e ilegais

“prisões por averiguações”, ainda que guardem algum fundo comum,

nada mais são do que o singelo e filtrado retrato dos “assassinatos sem

12 AGAMBEN, Giorgio.

Homo Sacer:

o poder soberano e a vida nua I. Tradução de Henrique Burigo. Belo Horizonte:

Editora UFMG, 2002, p. 16.

13 Doravante, as referências ao texto benjaminiano são retiradas da seleção realizada por Willi Bolle na obra: BENJA-

MIN, Walter. “Crítica da Violência – Crítica do Poder”.

In:

Documentos de Cultura, Documentos de Barbárie

(escritos

escolhidos). Seleção e apresentação de Willi Bolle. Tradução de Celeste de Sousa

et. al

.. São Paulo: Cultrix/Editora

da USP, 1986.