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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 119 - 141, jan - fev. 2015

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averiguações” da multidão de “Amarildos” (ao menos este conseguimos

nomear, e os outros infames?) que nos assombram – como se tivéssemos

que sentir os grilhões e os rasgos, não mais somente destinados a assistir

complacentes a uma história que agora se convida a ser escrita à contra-

pelo), neste instante algum sentido de

negação

daí emerge. A despeito

das nuances, há um

não

que ecoa, apesar das tentativas de calá-lo vin-

do das consensuais demandas por pautas claras impostas aos protestos.

Como escreveu Camus

14

, em seu

Homem Revoltado

, nestas posturas há

uma afirmação, um

sim

desde o primeiro momento, algo que, sobretudo,

não se renuncia, mas se

recusa

.

A insuportabilidade candente de uma condição policial – pulsão de

um caldo totalitário que no Brasil tem largo lastro, que, por um lado, re-

presenta a militarização em suas tarefas de policiamento ostensivo, pos-

tas as PM´s como força auxiliar e de reserva do Exército de acordo com o

texto constitucional de 88 (art. 144 §6º

15

, herança mantida e aprimorada

por tempos ditatoriais), ou seja, uma estrutura militar fazendo papel de po-

lícia, comum em período de guerras ou de regimes autoritários

16

, e, por

outro viés simétrico e correlato a este escárnio, existe um não menor auto-

ritarismo impregnado nas estruturas (nem tão) subterrâneas das práticas

difusas de alguma polícia civil (deveria haver alguma

polícia

que não fosse

a rigor

civil

?) responsável pela apuração das infrações penais na função de

polícia judiciária. Semque fosse preciso lembrar as fartas práticas de tortura

e extermínio reconhecidas internacionalmente,

17

pergunta-se se realmen-

te deveríamos nos espantar que, por exemplo, o Estatuto dos Servidores

da Polícia Civil do Rio Grande do Sul

18

(para não dizer de outros estados),

até hoje, consagre “espancar, torturar ou maltratar preso ou detido sob

sua guarda ou usar violência desnecessária no exercício da função policial”

14 Cf. CAMUS, Albert.

O Homem Revoltado.

Tradução de Valerie Rumjanek. Rio de Janeiro/São Paulo: Editora Re-

cord, 2011.

15 Vide o pioneiro e já clássico estudo de CERQUEIRA, Nazareth. “Questões preliminares para a discussão de uma

proposta de diretrizes constitucionais sobre segurança pública”.

In:

Revista Brasileira de Ciências Criminais.

Ano 6,

nº 22, 1998, p. 139-182.

16 “O fato de forças policiais serem auxiliares do Exército é algo comum durante os regimes autoritários. Nas demo-

cracias, repetindo, somente em período de guerra é que as forças policiais tornram-se forças auxiliares do Exército.

Em tempos de paz, o Exército e quem se torna reserva da polícia, indo em sua ajuda quando esta não consegue

debelar gigantescos distúrbios sociais. As democracias traçam uma linha clara separando as funções da polícia das

funções das Forças Armadas.” ZAVERUCHA, Jorge. “Relações civil-militares: o legado autoritário da Constituição

brasileira de 1988”.

In:

TELES, Edson; SAFATLE, Vladimir (orgs.).

O que Resta da Ditadura:

a exceção brasileira. São

Paulo: Boitempo, 2010, p. 52.

17 ANISTIA INTERNACIONAL.

Informe 2012

– "O Estado dos Direitos Humanos no Mundo". Londres, 2012, p. 109-

112. Disponível em:

http://files.amnesty.org/air12/air_2012_full_pt-br.pdf.

18 Disponível em:

http://arquivonoticias.ssp.rs.gov.br/edtlegis/1108057903Estatuto_servidoresPC.pdf.