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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 119 - 141, jan - fev. 2015

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Cederemos ao embaraço defensivo de nossas crenças estabilizadoras

disponíveis em esquematizar e integrar aquilo que reverbera incessante-

mente como força questionadora para consagrarmos nosso comodismo

classificatório? Acompanhar tais traços de algo novo, por certo, não mere-

ce a frustração da domesticação reacionária e medrosa, mas demanda um

olhar atento às novas cartografias, diagramas, relações de força sensíveis

– intervalos que não se dão numa clareira cheia de si, mas por instantes

híbridos e mascarados – pouco consolidadas.

Virtude, pois, que afasta as implicações de uma política fetichizada,

ou neutralizada de antemão por suas identificações especulares. A inde-

terminação relativa dos embates coletivos que se experiencia, longe de ser

um problema em si, oportuniza exatamente o rompimento com processos

prontos e acabados, e afirma o desafio do deslocamento do político – (re)

politização – de experimentar verticalmente o impossível. Tarefa árdua

imposta nestes limiares decisivos: testemunhar ecos de experiências, flu-

xos, trajetórias, fragilidades e possibilidades múltiplas. Haveria, não obs-

tante, outra intervenção/interpretação mais radical que esta: negar-se à

insensibilidade indiferente e resistir ao impulso de inserir o inantecipá-

vel numa estéril calculabilidade? Responsabilidade genuína que se avizi-

nha desinteressada senão pelo esforço do entendimento também como

força política

, que prefere acreditar mais no curso inaudito de instantes

outros do que em confortáveis escaninhos consensuais. Sobretudo, ser

tocado por espaços singulares de durações infinitesimais, em que o (re)

aprendizado do

dizer

político ganha protagonismo, nas frestas de blocos

homogêneos de sentido e, contudo, neste momento ímpar de clivagem,

entregar-se tentadoramente ao mascaramento do potencial subversivo

da

crise

sob algum registro comodista e classificatório – tão traumatizado,

a rigor, por aquilo “que não tem sossego nem nunca terá”, pelo desme-

dido, ignorado, sufocado e insubsumível da alteridade – é, para além de

colmatar o

tempo

aos

julgamentos

, deixar pouca esperança senão para a

consagração da

totalidade

.

2

De maneira geral, se a crítica que se poderia organizar de encontro

aos novíssimos movimentos do tipo

Occupy

e Indignados (apenas para to-

mar, de início, uma plataforma que ajudaria a perceber tons comuns que

gostaríamos que também pudessem ser lidos juntos às nossas manifesta-

ções de junho) – retrato de certa renovação nas lutas sociais de magnitu-

2 Cf. SOUZA, Ricardo Timm de

. Totalidade & Desagregação:

sobre as fronteiras do pensamento e suas alternativas.

Porto Alegre: EDIPUCRS, 1996.