

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 119 - 141, jan - fev. 2015
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de diversa dos então impulsos sociais atados à identidade que operam ao
menos desde os anos sessenta, agora focados em demandas grupais de
problemas da vida cotidiana
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– afirma que faltaria certa definição estra-
tégica e programática, por outro lado, não apenas por convicção, convém
apostar na rebelião do desejo. O “caia na real” não raro inadvertidamente
posto por definição é a primeira armadilha que deve ser evitada, preci-
samente para que a valoração de seu entusiasmo com a transformação
cotidiana efetiva possa vir e não venha a ser engolfada entre falsos radica-
lismos (“importa apenas a abolição do capitalismo liberal-parlamentar”)
ou gradualismos (“luta por democracia básica por enquanto”). Noutros
termos, se algum valor dos movimentos pudesse ser medido desde aquilo
que “permanece no dia seguinte”, firmes aos perigos de se apaixonarem
por si próprios como escreve Zizek
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, para que a questão autoimunitária
não ganhe terreno, não se pode deixar de (r)elevar que, sobremaneira,
antecipar como estratégia política aquilo que “ficará no dia seguinte” é
desde sempre matar e restringir de antemão a profundidade e a aleato-
riedade profícua e fértil da mobilização social. Opor vieses estratégicos ao
futuro político que se quer realmente novo e inantecipável é reconduzir a
experiência do acontecimento a sua neutralização. Há um invencível
de-
sejo de justiça
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que se liga a esta expectativa e não deve ter a garantia de
nada, nem deve ser assegurada por nada, de outra (des)ordem que habita
uma possibilidade abstrata, uma sobre-vida invisível e espectral.
A obscena soberania policial: espaço político e vida nua
Todavia, se é possível e necessário arriscar, exatamente para estar-
mos à altura de tempos urgentes, certa inflexão capital sobre algumas
narrativas tidas por testemunhos podem advir, sem preocupação de dotá-
-las de centralidade única, mas que num cenário crítico sejam injetadas
continuamente de intensidades que vibrem sobre si mesmas e que sir-
vam, não exatamente como ponto de fuga, mas como se fosse possível
3 Cf. SVAMPA, Maristella.
Cambio de epoca:
movimientos sociales y poder político.
Buenos Aires: CLACSO/Siglo XXI, 2008.
4 ŽIŽEK, Slavoj. “Problemas no Paraíso”.
In:
MARICATO, Ermínia (
et. al.
).
Cidades Rebeldes
– Passe Livre e as manifes-
tações que tomaram as ruas do Brasil. São Paulo: Carta Maior/Boitempo, 2013, p. 107.
5 Por todos os momentos, ver DERRIDA, Jacques. “Fé e Saber: As duas fontes da ´religião´ nos limites da simples
razão”.
In:
VATTIMO, Gianni; DERRIDA, Jacques (orgs.).
A Religião
– O Seminário de Capri. São Paulo: Estação Liber-
dade, p. 71 ss..