

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 17, n. 66, p. 16 - 68, set - dez. 2014
57
co outrora imaginado pelo movimento napoleônico. Mauro Cappelletti
72
ressalta que a estrita separação dos poderes no “French style”, de nítida
inspiração montesquiana, estava a milhas de distância da separação das
funções adotada praticamente ao mesmo tempo pela Constituição ame-
ricana. E na América, a separação de poderes não utiliza a semântica da
“separação”, mas, sobretudo a flexibilidade dos “freios e contrapesos”,
princípio no qual permite a conurbação funcional das normas, dos fatos,
e dos postulados normativos, cotejados fatos e normas, normas e fatos –
todos os quais na busca do dever do Estado enquanto poder instituído: a
satisfação dos direitos fundamentais, a persecução dos valores eleitos de-
mocraticamente e daí a premente tutela da dignidade da pessoa humana.
O modelo americano está plasmado explicitamente na Constituição
da República Federativa do Brasil. O preâmbulo da Constituição brasileira
chega a ser bastante parecido com o da Constituição norte-americana.
Vive-se a
era da jurisdição
. E examinar a doutrina de Mauro Cappelletti é
fundamental, não porque esse autor seja discípulo de Calamandrei que,
por sua vez, era discípulo de Chiovenda: uma tríade dos maiores proces-
sualistas do século XX. Mas, porque Cappelletti fora responsável pela con-
cepção do processo enquanto instrumento de modificação social, como
um paradigma efetivador dos direitos fundamentais através do dinamis-
mo das instituições, coarctando o direito material ao direito processual
pela mecânica da tutela.
Mauro Cappelletti
73
lamenta as vicissitudes dramáticas da Europa
continental até meados do século XX, quando a ideologia francesa da rí-
gida
séparation dês pouvoirs
, ao invés de efetivar direitos dos indivíduos,
valeu-se de retórica para se autolegimar em um regime de assimetriza-
ção e centralização de prerrogativas, quando a informação era sinônima
de poder. O
poder serviu ao poder
, na velha França, pois o interesse dos
vencedores (burguesia) era a própria manutenção. No contraponto, Ca-
ppelletti salienta que o modelo americano de “freios e contrapesos” –
adotado no Brasil – livra-se das perigosas e débeis autonomias do
poder
pelo poder
, para impor uma Administração, um Legislativo e um Judici-
ário, cada qual e todos dinamicamente, trabalhando em benefício dos
72 CAPPELLETTI, Mauro. "Repudiando Montesquieu? A expansão e a legitimidade da ‘justiça constitucional’." Tra-
dução Fernando Sá.
Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Porto Alegre:
Nova Prova, v. 20, p. 271. No mesmo sentido, ZAGREBELSKY, Gustavo.
El derecho dúctil: ley, derechos, justicia.
Trad.
Marina Gascón. Madrid: Editorial Trotta, 2009, p. 52/8.
73 CAPPELLETTI, Mauro.
Juízes legisladores?
Trad. Carlos Alberto Alvaro de Oliveira. Porto Alegre: Sérgio Antônio
Fabris, 1993, p. 53.