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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 17, n. 66, p. 16 - 68, set - dez. 2014

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soberano. Tanto que Franz Wieacker conclui que tal visão de um positivis-

mo político extremo é atualmente impensável e “aparece mesmo como

uma hipocrisia intelectual”

69

. Cenário complementado por Rousseau, que

estipulou a possibilidade da tutela – formal – da liberdade e da igualdade

pela legislação. Baluartes do Iluminismo francês, que parecem até hoje

surtir efeitos a poucos desavisados do Terceiro Mundo.

Nessa ordem de ideias do positivismo clássico, a legalidade formal

ou a mera legalidade estabelece uma espécie de “metanorma” de reco-

nhecimento da cogência do direito vigente. Ferrajóli é veemente ao cri-

ticar que, para tal corrente oitocentista, basta que uma norma jurídica,

“qualquer que seja o seu conteúdo, existe e é válida por força unicamente

das formas de sua produção”. A consideração dessas premissas “provocou

uma inversão de paradigmas no que diz respeito ao direito pré-moderno:

a separação entre direito e moral, ou mesmo entre validade e justiça, por

força do caráter inteiramente artificial e convencional do direito existente.

A juridicidade de uma norma não depende mais, no direito moderno, da

sua intrínseca justiça ou racionalidade, mas somente da sua positividade,

ou seja, do fato de ser ‘posta’ pela autoridade competente na forma pre-

vista para sua produção”

70

.

Ou seja, se uma lei formalmente válida pode estipular qualquer

absurdo, natural que as instâncias de controle – os poderes, e os próprios

compartimentos do direito – não se comunicam. Seria possível que algum

déspota, manipulando o legislativo, chegasse ao ponto de positivar que

determinada raça ou religião é inferior e, portanto, devesse ser alocada e

dizimada em campos de concentração, ou enfiada em

apartheids

de subes-

pecificação. Imaginável apenas na ficção científica? Qualquer coincidência

histórica desse raciocínio nada mais representa que reflexo de um estanca-

mento de comunicabilidade entre as instâncias de controle do direito.

A questão do art. 174, parágrafo único, I, do CTN não vai longe dis-

so, pois escreve uma semântica desconforme com outra linhagem formal.

Não basta o legislador dizer, em uma linha, que a prescrição é interrompida

pelo despacho do juiz que ordena a citação. Para além dessa referência, o

sistema jurídico estabelece que o prazo máximo da prescrição da pretensão

de cobrança do crédito tributário é de cinco anos, ou que a razoabilidade

69 WIEACKER, Franz.

História do direito privado moderno.

4ª Edição. Tradução de Botelho Hespanha. Lisboa: Fun-

dação Calouste Gulbenkian, 2010, p. 343.

70 FERRAJÓLI, Luigi.

Por uma teoria dos direitos e dos bens fundamentais.

Trad. Alexandre Salim

et ali.

Porto Ale-

gre: Livraria do Advogado, 2011, p. 43.