

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 17, n. 66, p. 16 - 68, set - dez. 2014
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O legado civilista efetua uma leitura da Constituição com os olhos
da exegese, para a qual os poderes do Estado eram
absoluta e absurda-
mente separados e estáticos
(!);. época em que os planos do direito e do
próprio conhecimento não se tocavam entre si. Trata-se de um retrato do
movimento cultural da época napoleônica, que teve seus motivos histó-
ricos para operar uma ruptura epistêmica dessa magnitude. Legislativo,
Executivo e poder Moderador não se tocavam; direito penal e direito não
penal também não se comunicavam. Afinal, as ciências não conheciam o
que significava ductibilidade, interdisciplinaridade e sincretismo. Giovanni
Tarello salienta: “Una delle caratteristiche più costanti delle organizzacioni
giurichi liberali, e particolarmente di quelle dell’Europa continentale che
vennero construendosi sulla base delle struture di origine napoleônica, fu
la rigida distinzione, nell’ambito della funzione giurisdizionale, tra il pro-
cesso penal ed il processo civile”
67
.
O perigo da importação total dessa construção oitocentista é a
desconsideração da metodologia de trabalho constitucional, atualmente
imperante a todas as estações jurídicas: mormente ao direito tributário
e ao processo civil tributário. A diferença entre essas forças metodológi-
cas (civilista clássica e constitucionalista contemporânea) não representa
apenas uma nova feição das fontes do direito e das técnicas jurídicas para
o aporte normativo, o que ainda hoje se faz necessário, mas, uma total
incomunicabilidade de racionalidades coerenciais de maneira estanque,
como se uma área do direito pudesse sobre(viver) sem a outra, como se
determinado aspecto jurídico pudesse existir validamente sem a utiliza-
ção da Constituição e do seu respectivo
background
filosófico como ins-
tância de irradiação, legitimação, síntese e formulação de metas.
A Constituição é o paradigma de toda a racionalidade jurídica; nao
é o Código Civil que está no epicentro do sistema. Adotar separações ab-
solutas é conviver com apanhados rousseaunianos e hobbesianos em ple-
no terceiro milênio. Thomas Hobbes abalizou a consolidação dos estados
nacionais, formulando uma doutrina política de “refinado absolutismo”
68
.
Ele alavancou o jusracionalismo nacionalista, por meio de uma rigorosa
dedução lógica contratualista, retirando os homens do “estado da natu-
reza” e os subordinando ao necessário e irrefreável poder absoluto do
67 TARELLO, Giovanni. Il problema della riforma processuale in Italia nel primo quarto del secolo. "Per uno Studio
della genesi dottrinale e ideológica del vigente códice italiano di procedura civile."
In
Dottrine del processo civile:
studi storici sulla formazione del diritto processuale civile.
Bologna: Il Mulino, 1989, p. 16.
68 NADER, Paulo.
Filosofia do direito
. 19ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 175.