

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 17, n. 66, p. 16 - 68, set - dez. 2014
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Imperioso que o fator “instrumentalidade” do processo assuma um
caráter multifatorial. O processo deve ser
instrumental
em um sentido
amplo, de maneira a permitir o melhor trânsito de todas as instituições
do Estado em benefício à tutela do direito. Desde o processo para o direi-
to material e vice-versa, tudo deve avistar os valores constitucionais, tudo
com o vértice na efetiva proteção do cidadão: a tutela efetiva e segura,
seja ela uma tutela jurisdicional ou uma tutela não jurisdicionalizada. O
Estado trabalha como uma empresa e em benefício do indivíduo. O Esta-
do Constitucional deve ao indivíduo a tutela do direito. A tutela no sentido
concreto é o objeto premente, a razão de existir das próprias instituições.
O apego ao formalismo legalista rejeita uma leitura sistemática do
art. 174, parágrafo único, I, do CTN. Não apenas em termos endopositi-
vos, como também na virtude que a teleologia das instituições implica.
Um parêntese sobre a separação dos poderes ou funções estatais
é peremptório.
O cenário jurídico brasileiro açambarcou rescaldos lusitanos do direi-
to das Ordenações, deitando raízes em uma espécie de
bartolismo
científi-
co – quando as lacunas eram colmatadas pela metodologia escolática –, o
que gerou uma superestima do liberalismo francês, dominante na Europa
desde o século XIX. A estrutura do Código Civil de 1916 demonstra que Cló-
vis Beviláqua se espelhou em uma realidade europeia, privilegiando uma
normatividade individualista, patrimonialista, “dominado pela ideologia da
liberdade e da segurança jurídica, pensada a partida da ideia de dano e
preordenado a prestar tão somente uma tutela jurisdicional repressiva”
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.
Isso não é novidade, tudo é importado no direito brasileiro. O problema é
quando o produto da exportação já não condiz com a superveniência de
uma Constituição que desenvolve outra maneira de racionar o direito. Em
outras palavras, a metodologia que o operador jurídico brasileiro geralmen-
te utiliza – em termos da separação das funções estatais – condiz com uma
leitura civilista e bevilaquiana da matéria, com raízes no ano de 1916, e não
com uma mentalidade que se pode extrair da própria letra da Constituição
de 1988 e das suas diuturnas e recentes reformas pontuais.
66 MITIDIERO, Daniel Francisco. "O processualismo e a formação do código Buzaid."
In
Revista de Processo
, n. 183,
p. 182. Tanto o Código de Processo Civil de 1973, versão original, quanto o Código Beviláqua, de 1916, ostentem
uma percepção individualista, patrimonialista, com a ideologia liberdade-manutenção do status quo, pensando-se
apenas sob a ótica do dano e da tutela repressiva. Tratava-se da ciência neutra com relação à cultura, o que acabou
perenizando uma estrutura social do século XIX – então proclamada pelos alemães e italianos. Patrimonialismo em
duas frentes: propriedade imobiliária e a mercantilização/fungibilidade de todas as obrigações em pecúnia. Uma
mecanização não concretista dos problemas apresentados em juízo, quando a manutenção do poder central muito
bem acenava a crescente assimetrização dos obeliscos dos Estados Nacionais europeus.