

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 17, n. 66, p. 16 - 68, set - dez. 2014
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ela se abriu principiologicamente, de maneira a reunir diversas opções
políticas e jurídicas em contínua dinamização, como se de alguma forma
apaziguasse as normas submetidas a juízo ponderativo, quando elas fo-
rem conflitantes nos casos concretos (no processo, o exemplo corriqueiro
da efetividade versus a segurança, que dialogam tanto em abstrato como
em concreto). Trabalhar com essa dialética é pressuposto de qualquer ci-
ência diretamente influenciada pela cultura.
O direito e o próprio Estado (como realidade institucional
55
) se
tornaram mecanismos em diuturna mutação construtiva, empresas em
permanente construção. Na verdade, eles são instrumentais à proteção
da civilidade e devem reproduzir, com variações abstratas (legisladas) ou
concretas (atos administrativos e tutela jurisdicional), o diálogo perma-
nente no qual se ponderam os interesses conflitantes. Característica que
reserva à velha legalidade estática uma distante recordação histórica
56
.
Tudo isso está a compor a tutela (a proteção em um sentido amplo).
A assinalada abertura e a elasticidade do cenário normativo são
exasperadas pela multifuncionalidade
57
dos direitos fundamentais – den-
tre os quais, o metadireito de proteção, o dever institucional de tutelar os
direitos, e o próprio poder dos cidadãos propriamente ditos, para formu-
larem mecanismos civis para a tutela das situações da vida. Isso tudo ca-
racteriza a moeda concreta para a efetivação da tutela em sentido largo.
No Estado Constitucional brasileiro, inegável o
primado da tutela
dos direitos e a inafastabilidade da tutela jurisdicional
enquanto direitos
fundamentais. A concretização dos demais direitos no plano das relações
das garantias), o que pode ser compreendido como uma pedra estrutural de toque é o compromisso funcional des-
se mesmo Estado em proporcionar medidas para efetivar – ou medidas tendentes à satisfação – os compromissos
sociais assumidos com a totalidade dos indivíduos, através da ponderação dos interesses em permanente diálogo.
55 A compreensão do direito como uma ordem normativa institucional e a feição do Estado enquanto ator e produto
desse contexto é reflexo de uma postura jusfilosófica que apresenta não uma visão única das coisas, mas o confronto
de diversas visões e dentre elas a eleição do concretamente melhor ou mais razoável. Ver MAcCORMICK, Neil. Prólo-
go: a teoria institucional e a perspectiva do legislador.
Retórica e o Estado de direito: uma teoria da argumentação
jurídica.
Trad. Conrado Hübner Mendes e Marcos Paulo Veríssimo. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008, p. 3.
56 Mais detalhadamente em CASTRO, Cássio Benvenutti de. "Decadência da potestade invalidante do ato adminis-
trativo."
Revista Zênite de Direito Administrativo e LRF,
n. 105, abril/2010, p. 853 e ss.
57 Em termos de multifuncionalidade, os direitos fundamentais se dividem em direitos de defesa (ações negativas
do Estado) e direitos a prestações (ações positivas). O primeiro grupo veio consagrado pelo liberalismo, são as garan-
tias; o segundo grupo constitui a grande característica de um Estado Social e pode ser subdividido em três espécies:
os direitos a prestações sociais (fáticas) ou direitos a prestações em sentido estrito; os direitos à proteção normativa;
e os direitos à organização e ao procedimento. Justificada a diretriz contemporânea da nova ordem constitucional, é
visível o dever institucional de proteger ou de tutelar os direitos no plano das relações materiais e, assim, visualizar
um reflexo qualificado desse dever, então por intermédio da tutela jurisdicional dos direitos. ALEXY, Robert.
Teoria
dos direitos fundamentais
. Trad. Virgílio Afonso da Silva. 2ª ed, tradução da 5ª edição alemã. São Paulo: Malheiros,
2011, p. 202 e 442 e ss.