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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 17, n. 66, p. 16 - 68, set - dez. 2014

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A dignidade da pessoa humana é o polo metodológico do sistema

constitucional brasileiro. Somente a partir da dignidade dos indivíduos e

para ela, o Estado pode pensar no cumprimento de suas outras finalidades.

Não adianta organizar o poder, estruturar a Administração, rearticular bu-

rocraticamente os prazos e formular as leis especiais, se não está respeitada

a dignidade do ser humano. O Estado brasileiro tem o dever de proteger os

indivíduos e as instituição estatais, por sua vez, devem se organizar de ma-

neira harmônica, para cumprir tal mister. A prescrição reflete um punhado

da segurança jurídica, logo, preserva a dignidade do ser humano, pois ele

não pode ficar indefinidamente amarrado à potestade do Estado.

Com efeito, o Estado deixou de ser um “inimigo” das pessoas e as-

sumiu uma posição complexa, que se agita no sentido de proporcionar a

todos, de maneira efetiva, uma vida melhor, uma (sobre)vivência qualifi-

cada. Esse o verdadeiro sentido de sobrepor os direitos fundamentais à le-

gislação infraconstitucional e dizer que a nota da fundamentalidade deve

caracterizar as manifestações institucionais do Brasil. A supremacia do di-

reito no Estado Constitucional

53

remete os direitos fundamentais a uma

posição de vantagem, porque apontam em direção aos valores basilares

do sistema

54

. Se hoje dispomos de uma Constituição dirigente, é porque

53 O Estado Constitucional não afirma um conceito pronto, mas recolhe um ponto de partida dos interesses comu-

nitários para, como uma empresa em diuturna construção, elaborar uma estrutura de dois corações em direção às

suas finalidades – o Estado Constitucional significa: o Estado de direito + o Estado democrático = busca das finali-

dades. Essa formatação é uma empresa em construção e vem se condensando em diversos momentos que concre-

tizam um momento subsequente na relação jurídico-constitucional entre o político e o jurídico. Ou seja, o modelo

acaba por elaborar a “domesticação do domínio público pelo direito” que, na verdade, representa o “grau” de

juridicidade atribuído ao controle da política. Se atualmente o Estado consiste em um esquema aceitável de raciona-

lização institucional que organiza as sociedades modernas, o Estado Constitucional qualifica um modelo plus, como

uma “tecnologia política de equilíbrio político-social”. Uma realidade engendrada pela teoria constitucional que, histo-

ricamente, perpassou três modelos basilares de supremacia do direito (ou “códigos de observação político-jurídico”):

a)

Rule of law:

modelo que privilegia o

due process of law

em detrimento da legalidade, apesar de, em alguns casos,

admitir a codificação. Utilizado na tradição

common law

, ele se fundamenta na

judicial review

para conferir a sobe-

rania do direito ao panorama social.

b)

L’État legal:

modelo que utiliza a hierarquia piramidal do esquema Declaração, Constituição e lei para, desde uma

perspectiva franco-liberal do final do século XVIII, privilegiar o princípio da legalidade em detrimento do devido

processo legal. A França é o exemplo de “Estado Legal”, onde a supremacia do direito é ditada pelo parlamento.

c)

Rechtsstaat:

desde o início do século XIX, a assimetrização do regime germânico estipula um modelo de suprema-

cia constitucional do direito no qual houve a fixação de poderes para controlar os atos e as normas por um Tribunal

Constitucional. É um mecanismo também denominado de “austríaco”, cujo império do direito é assegurado através

de instrumentos de salvaguarda do próprio sistema.

O Estado Constitucional é um modelo superveniente a tais modelos tradicionais, representa um plus a essas varia-

ções, seja porque reúne juridicidade+participação, seja porque está em permanente transformação, sempre em

busca das finalidades que reputa ótimas, pois se trata de um mecanismo funcional-estrutural do constitucionalismo

contemporâneo e da filosofia do direito. Ver CANOTILHO, José Joaquim Gomes.

Direito constitucional e teoria da

Constituição.

3ª Ed. Coimbra: Almedina, 1999, p. 83/97.

54 No esquema do século XIX, o Estado era visualizado como o poder exclusivo para criar o direito-conceito, e a

legalidade formal se estatuiu como um limite do poderio desse próprio genitor. Agora a realidade é diversa, porque,

além de não se permitir ao direito um regresso autofágico a marcos que logrem direitos fundamentais (petrificação