

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 17, n. 66, p. 16 - 68, set - dez. 2014
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pairava naquela época, estava cravado na alma da operação jurídica
como um todo e poderia ser sensivelmente notado no abstracionismo
regulamentado na Lei de Execução Fiscal. Dessa forma, se o regime
jurídico do CPC de 1973, inerente à cultura brasileira do último quartel
do século XX
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, influenciou a lei de execução fiscal, atribuiu a ela um
maior “grau” de formalismo admissível, dentre todas as espécies de
processos de execução. As mensagens conceituais cristalizadas nessa
lei extraordinária, não por acaso, isolam os diversos atos processuais
em verdadeiras “crises de instâncias” – a execução fiscal não chega
a ser um procedimento em contraditório, mas possui geneticamente
uma natureza de
relação jurídica de direito público.
A execução fiscal está repleta de atos processuais formais que
praticamente se isolam entre si, como se fossem ilhas. Na prática da
execução fiscal, tudo depende de intimações e de ciências inequívocas
de parte a parte, para que assim se prossiga adiante. A consagração de
uma
estrutura relacional
legitimou um esquema de “poder”, no qual a
Administração é colocada no vértice, no topo de uma pirâmide, contra
o indivíduo outrora considerado um súdito.
Uma fórmula epistêmica que assegurou um desenvolvimento
processual truncado, no seguinte acordo de conveniências: enquanto
a execução fiscal promete a falência dos prazos processuais próprios,
pois concede à Fazenda Pública quase uma potestade de
agires
, ao seu
talante e possibilidade, ao devedor foi garantida uma saída à francesa,
pois a cada
não comparecimento
se estabelece uma crise de instância
que emperra o procedimento.
A separação entre uma “relação jurídica processual” e a “relação em
direito material”, que lhe recorta o objeto, demonstra que a escola proces-
sual brasileira trouxe, desde o direito privado, uma realidade conceitual
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36 A metodologia tecnicista e seus devaneios excessivamente formalistas não permitem ponderar a multifuncionali-
dade da efetividade e da segurança em perspectiva dinâmica, não observa a tutela do direito e a tutela jurisdicional
em cotejo simbiótico, como tampouco não possibilita a visualização de categorias do gênero “questão mista” em
processo civil. A metodologia da técnica assola a LEF e a remete a um amontoado de “crises de instâncias”, normal-
mente geradas pela concepção de um processo formalista ao extremo, que reflete o rigor do direito tributário e da
burocracia brasileira da década de 1980. A lei de execução fiscal jamais cogitou de sincretismo. Na longínqua década
de 1980, conhecimento e execução não se misturavam, tanto que os embargos formam verdadeira crise existencial
na execução e possui uma limitação material quanto às matérias que poderiam ser alegadas. Uma lente que violenta
a ampla defesa enquanto direito fundamental, porém, expressa a cultura de que a Administração tinha prevalência
sobre o direito individual do contribuinte.
37 A racionalidade oitocentesca (e o panorama kantista desde então) trabalha com dicotomias, isso não causa estra-
nheza. Vale a pena analisar a obra de Bülow para, além desse cenário, constatar os fluxos e contrafluxos científicos
ao largo do tempo. Para repudiar o pragmatismo do romanismo, que muito influenciou o processo comum da idade
média, Bülow ressalta que avistar o processo em sua dinâmica é uma ideia
superficial
que não o afasta do proce-