

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 17, n. 66, p. 287 - 308, set - dez. 2014
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ao Estado, repartindo as suas principais funções entre órgãos distintos e
regulando o exercício do próprio poder, o que constitui um efetivo obs-
táculo para o arbítrio
38
. A Constituição define o arranjo dos poderes do
Estado e reserva a cada um deles funções
39
típicas distintas, nos âmbitos
legislativo (ou normativo), executivo (ou administrativo) e jurisdicional,
além de funções atípicas e outros atributos cada vez mais crescentes.
Neste sentido, a lição de Barroso
40
:
A Constituição é o primeiro e principal elemento na interface
entre política e direito. Cabe a ela transformar o poder cons-
tituinte originário – energia política em estado quase puro,
emanada da soberania popular – em poder constituído, que
são as instituições do Estado, sujeitas à legalidade jurídica, à
rule of law
. É a Constituição que institui os Poderes do Esta-
do, distribuindo-lhes competências diversas.
No caso brasileiro, a própria Lei Fundamental prescreve que os po-
deres são independentes e harmônicos entre si, fato indicativo de que a
consolidação da democracia depende do equilibrado exercício das respec-
tivas atribuições e adequado controle mútuo. Portanto, eventuais avanços
nas funções típicas de um poder pelo outro, ainda que nas excepcionais
hipóteses previstas na Constituição, somente se justificam quando em
busca da materialização de seus próprios comandos. Em outras palavras,
a harmonia somente restará assegurada na medida em que o campo de
atribuição precípua de cada poder – inclusive essas de natureza excepcio-
nal - seja respeitado pelos demais.
A questão da harmonia entre os poderes assume feições comple-
xas em meio às transformações dos sistemas jurídicos contemporâneos
41
.
38 CASTRO, Flávia Viveiros de. "O Princípio da Separação dos Poderes."
In:
Princípios da Constituição de 1988.
Organizadores: PEIXINHO, Manoel Messias; GUERRA, Isabela Franco; NASCIMENTO, Firly. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2000, p. 151-152.
39 Ao Legislativo e Executivo são distribuídas competências políticas, ao passo que ao Judiciário assistem não ape-
nas atribuições técnico-jurídicas, como também políticas. Neste sentido, registre-se a posição de Comparato, que
advoga a tese de que assiste competência ao Judiciário para decidir sobre questões políticas. COMPARATO, Fabio
Konder. "Ensaio sobre o juízo de constitucionalidade de políticas públicas."
Revista dos Tribunais
. São Paulo: v. 86,
n. 737/15, p. 19-21, março de 1997.
40 BARROSO, Luis Roberto. "Constituição, Democracia e Supremacia Judicial: Direito e Política no Brasil Contem-
porâneo." Disponível em
<http://www.lrbarroso.com.br/pt/noticias/constituicao_democracia_e_supremacia_judi-cial_11032010.pdf>
. Acesso em 09-05-2012.
41 O tema foi detalhadamente examinado por Maia, em trabalho que analisa as transformações em diversos sis-
temas jurídicos avançados. MAIA, Antônio Cavalcanti. "As transformações dos sistemas jurídicos contemporâneos: