

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 17, n. 66, p. 287 - 308, set - dez. 2014
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nas mãos de órgãos distintos
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, de forma a assegurar o controle mútuo.
Esse modelo, pautado na orientação ao bloqueio do funcionamento ina-
dequado, ancorava-se na separação pura, mais rígida e, assim, ressentia-
-se ainda de mecanismos de reconhecimento de capacidades ativas de
interferências recíprocas nas atribuições de um pelo outro.
Os americanos
33
, reconhecendo como desgraça a tirania do Legisla-
tivo, foram responsáveis pela construção de uma matriz pautada em for-
mas de equilíbrio e interferência, que propõe mecanismos para balancear
os poderes, isto é, um sistema de freios e contrapesos
34
, que caracteriza a
instituição de uma separação de poderes impura
35
.
A teoria da separação dos poderes, com os instrumentos de equilíbrio
e interferência do sistema de freios e contrapesos, permanece até os dias atu-
ais como influência maior nos arranjos institucionais do mundo ocidental. Ao
longo dos anos, embora mantida a ideia básica de partição de funções entre
órgãos distintos, foram estabelecidos novos contornos e aprimoramentos à
equação dos poderes, com a previsão, nos próprios textos constitucionais, de
incorporação de outras
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atribuições às funções típicas tradicionais.
Nos regimes democráticos contemporâneos, o poder
37
soberano
emanado do povo inaugura a ordem constitucional, dando conformação
32 ALMEIDA JUNIOR, João Theotonio Mendes de. "A Separação de Poderes."
Revista Digital. Instituto dos Advoga-
dos Brasileiros
. Rio de Janeiro, Ano I – Número 5, p. 38, outubro a dezembro de 2009, ISSN 2175-2176. Disponível
em:
<http://www.iabnacional.org.br/IMG/pdf/doc-2374.pdf>.
Acesso em 02 de maio de 2012.
33 As principais ideias foram sistematizadas na obra “O Federalista”, que condensava uma série de 85 artigos, como
resultado de reuniões prévias à Constituição Americana de 1787. Tinham como autores James Madison, Thomas
Jefferson e John Jay. O referido modelo mitigou a então vigente supremacia do Poder Legislativo em solo americano.
34 Na doutrina há menção a diferentes origens para o sistema de freios e contrapesos. Escaparia aos limites e ob-
jetivos do presente trabalho enfrentar esta temática. Para um aprofundamento sobre o tema, consulte-se Piçarra
(PIÇARRA, Nuno
A Separação dos Poderes como Doutrina e Princípio Constitucional – Um contributo para o estu-
do das suas origens e evolução.
Coimbra: Editora Coimbra, 1989) e Carolan (CAROLAN, Eoin.
The New Separation
of Powers: a Theory for the Modern State.
New York: Editora Oxford University, 2009).
35 De acordo com o modelo Federalista, a competência legislativa não caberia apenas ao Congresso e às Assem-
bleias dos Estados, como também ao Presidente, sendo-lhe atribuído poder para vetar projetos de lei. Haveria tam-
bém interferência do Judiciário no Legislativo, por não ser aquele mais neutro, mas sim guardião da Constituição,
com o poder de declarar que determinadas leis do Legislativo e atos do Executivo são contrários ao sentido dela.
36 Como exemplos na CRFB, os artigos 62, 103A e 58, 3º que permitem, respectivamente: i) ao Presidente da Re-
pública adotar medidas provisórias, com força de lei; ii) ao Supremo Tribunal Federal aprovar súmula com efeito
vinculante; iii) ao Legislativo instituir comissões parlamentares de inquérito, com poderes de investigação próprios
das autoridades judiciais.
37 “O Poder se apresenta como uma síntese interdependente de vontades e meios, voltada para o alcance de uma finali-
dade. A vontade, por ser um elemento imprescindível na manifestação do Poder, torna-o um fenômeno essencialmente
humano, característico de um indivíduo ou de qualquer grupamento de indivíduos”. (...) “A Nação, ao organizar-se poli-
ticamente, escolhe um modo de aglutinar, expressar e aplicar o seu Poder de maneira mais eficaz, mediante a criação
de uma macroinstituição especial – o Estado – a quem delega a faculdade de instituir e pôr em execução o processo
político-jurídico, a coordenação da vontade coletiva e a aplicação de parte substancial de seu poder”. ESCOLA SUPERIOR
DE GUERRA (Brasil). "Fundamentos Doutrinários da Escola Superior de Guerra." Rio de Janeiro:
A Escola
, 1998, p. 49.