

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 17, n. 66, p. 249 - 286, set - dez. 2014
263
o mérito do pedido principal (
mérito primário
) ao mérito da providên-
cia cautelar (
mérito secundário
), cuja absoluta coincidência – em casos
flagrantemente excepcionais – pode vir, até mesmo (em situações limítro-
fes), a dar origem às chamadas
medidas cautelares satisfativas
13
.
O
fumus boni iuris
– correspondendo exatamente a um juízo especí
fico de exame de probabilidade de efetiva existência do direito material
reclamado (e não simplesmente, como deseja Campos (1974, p. 132),
“simples verificação de que a parte realmente dispõe do direito de ação”
(que, em essência, se constitui numa garantia constitucional que nenhu-
ma norma infraconstitucional poderia,
a priori
, restringir)) –, ao lado do
periculum in mora
, se constitui, portanto, no próprio e específico
conteú-
do de fundo
(coloquial e convencionalmente chamado de “
meritório
”)
da
providência cautelar
(e da ação cautelar, em especial
14
), não podendo ser
entendido, em nenhuma hipótese, apenas como simples condição especí-
fica da ação instrumental autônoma cautelar ou de seu
substrato liminar
,
salvo quando o juízo valorativo dirige-se única e exclusivamente para os
requisitos de concessão, e não para o seu conteúdo.
15-16
13
Fumus boni iuris
como elemento de ligação entre o mérito cautelar e o mérito da ação principal. É evidente que
não estamos aqui a sustentar que o fundamento da pretensão cautelar seja exatamente o mesmo do fundamen-
to material alegado pela parte. Mas, ao mesmo tempo, negar, por completo, qualquer relação entre os diversos
fundamentos de ambas as pretensões (a principal e a cautelar) através do
fumus boni iuris
(liame subjetivo que
incontestavelmente as une), como deseja Liebman (1968, p. 36), amparado na doutrina de Carnelutti – ao defender
na providência cautelar a existência de uma “mera ação” à base de simples interesse e não de autêntico direito sub-
jetivo (especialmente no caso das ações cautelares) –, é permitir negar a própria existência do requisito em questão
(o
fumus boni iuris
) nas ações cautelares, como chegou a defender Campos (1974, ps. 128-132): “Se o processo
cautelar tem por fim tutelar o processo, o que se acerta no seu decorrer é a existência de ameaça ao direito da parte
ao processo, isto é, ao direito de ação, que não se confunde de forma alguma com o direito subjetivo material.”
14 Equivalência da sentença na ação cautelar à medida liminar nos
writs
constitucionais - Na verdade, a medida liminar
em mandado de segurança, ação popular e ação civil pública é muito mais aproximada, em termos de equivalência à
medida cautelar, ínsita na ação cautelar, do que propriamente, como supõem os menos avisados, equivalente à medida
liminar prevista no art. 804 do CPC, cuja natureza jurídica é de simples antecipação da própria medida cautelar.
Não obstante a medida liminar, nas ações de rito especial que a preveem, não estar associada a um processo autô-
nomo – como a medida cautelar na ação com idêntica designação – a exemplo desta última, a medida liminar nos
writs
também possui um conteúdo meritório próprio e específico (cujo liame subjetivo que o associa com o mérito
do pedido principal é exatamente o
fumus boni iuris
), considerando que muito embora esteja inserida no mesmo
processo e, por efeito, na mesma ação, possui, em qualquer hipótese, em seu procedimento peculiar, um relativo e
elevado grau de autonomia.
15
Periculum in mora e fumus boni iuris
como condições específicas da ação cautelar - Em sentido contrário, no que
tange especificamente às ações cautelares, temos, entretanto, as seguintes opiniões: “as cautelares sujeitam-se
às condições comuns a toda ação e subordinam-se a requisitos específicos consubstanciados no
fumus boni iuris
e
no
periculum in mora
, gerando carência de ação a inexistência destas condições, a serem examinados ao prudente
arbítrio do juiz” (ac. unân. da 2a Câm. do TAMG, de 21.12.88, na apel. 42.409, rel. juiz Garcia Leão;
RJTAMG
34 e
37/340;
Adcoas
, 1989, no 125.490) (grifos nossos).
16
Fumus boni iuris
como condição específica e particular da ação cautelar - Digna de menção, entretanto, é a
posição de Campos (defendida em parte por Theodoro Júnior) e assente com Castro Villar, para quem, “ao acertar
o
fumus boni iuris,
o juiz acerta apenas a probabilidade e verossimilhança do pedido cautelar e não do pedido de
fundo” (Castro Villar, 1971, p. 61).
Em suma, o requisito da ação cautelar, tradicionalmente apontado como o
fumus boni iuris
, deve, na verdade,