

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 17, n. 66, p. 16 - 68, set - dez. 2014
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uma realidade que não chegaria a refletir um problema
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científico
em si mesmo considerado, nos dias atuais, seja porque está positi-
vado na legislação, seja porque está pacificado no aspecto teórico.
Porém, dúvidas ou lacunas podem ocorrer quando a leitura de al-
gum organismo do processo (ou do direito material), de maneira incons-
ciente, é estudado apenas com base na
técnica do process
o e, assim, ter-
mina por não levar em conta um diálogo instrumental entre o processo
e o direito material (e vice-versa). Em pleno terceiro milênio, é perigoso
pesquisar os institutos do processo civil totalmente desapegados de algu-
mas notoriedades do direito material (friso: e vice-versa).
Óbvio que não defendo um monismo, seja ele prático ou teórico.
Contudo, saliento que meditar com as bases em um dualismo excessi-
vo ou puritano, à moda do velho cientificismo e do
apartheid
jurídico,
não permite uma efetiva tutela dos direitos, à medida que relega a di-
nâmica da vida a uma segunda ordem de prioridades, para privilegiar a
manutenção de dogmas dicotômicos e ocasionalmente estéreis, dogmas
propriamente teóricos que práticos. Exemplos desse ranço cientificista
são facilmente identificados e demonstram a superação de suas vetustas
lógicas: basta lembrar que o sistema bicolor da questão de direito e da
questão de fato está sendo superado pelo entendimento das questões
mistas; ou questionar a percepção estática e não ponderativa da multifun-
cionalidade entre o princípio da efetividade e da segurança jurídica. Ora, o
certo
ou o
errado
se transformaram no “tendencial” ou “razoável”, como
se observa no manejo do interesse público que, outrora, era um intocável
obelisco maniqueísta da Administração, mesmo que, para tanto, subju-
gasse os interesses privados (atualmente, os interesse privados compõem
o público e vice-versa). A própria noção de soberania estatal absoluta é
matéria ultrapassada, pois um aceno ortodoxo produziria o apoucamento
da pessoa humana no plano internacional, o que é incompatível com a
contemporânea força institucional de tribunais internacionais, hoje confe-
rida a instituições como a Corte Internacional de Direitos Humanos e o Tri-
bunal Penal Internacional
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– realidades sensíveis a uma singela pesquisa.
curiosidade de investigar a história de vida do filósofo, que é muito curiosa. No momento, interessa ressaltar que o
século XIX despertou o que denomino de
apartheid
jurídico, ou seja, a consolidação de um raciocínio em “binários”
ou em “dicotomias”, o que decisivamente influenciou a elaboração dos códigos de processo civil que vigoraram no
Brasil e, infelizmente, ainda sobrepaira na atarracada visão dos conservadores de plantão.
10 A separação entre os planos é salutar e a prática demonstra a seguinte ciranda aproximativa entre eles: um plano
serve ao outro e, na volta, também por ele acaba sendo servido.
11VerCASTRO,CássioBenvenuttide.
(Neo)SoberaniaeTribunalPenalInternacional.
P
ortoAlegre:VerboJurídico,2011,
passim
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