

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 17, n. 66, p. 16 - 68, set - dez. 2014
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regime
dualista
, no qual se identifica a separação entre o direito material
e o direito processual. O esquema do direito é tradicionalmente disposto
ao largo desses dois planos
5
: o plano do direito material reproduz um sis-
tema de normas que regulamentam as posições jurídicas dos sujeitos, os
seus direitos, as faculdades, os poderes, os deveres, os ônus e, enfim, as
possíveis sanções aplicáveis às suas condutas. De outro lado, quando tal
conjunto de normas do direito material não resolve uma questão, por falt
a de cooperação
6
entre os sujeitos, por desvio de comportamento desses
sujeitos, ou mesmo pelo
imperativo de tutela de um direito não previsto
positivamente no ordenamento
7
, é necessário reclamar a proteção jurídi-
ca promovida pelo plano do direito processual.
O plano do direito processual é um sistema de normas que
preordena os mecanismos e as operações para a resolução das cri-
ses oriundas do descumprimento
8
do direito material
9
. O dualismo é
expressão abrangente e organizada sobre determinado campo da experiência jurídica, ao contrário de uma mera
coletânea de leis
(mero tomo de legislações que são elaboradas no decorrer do tempo). Ver CAENEGEM, Raoul C.
van.
Juízes, legisladores e professores
. Trad. Luís Carlos Borges. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010, p. 28 e ss.
5 PICARDI, Nicola.
Manuale del processo civile.
3ª ed. Milano: Giuffrè, 2012, p. 146. A questão do dualismo e do
monismo é pormenorizada e originalmente tratada em FAZZALARI, Elio.
Note in tema di diritto e processo.
Milano:
Giuffrè, 1957,
passim
.
6 Uma nota sobre a questão da executoriedade. No plano do direito material, pode-se inferir a
exigibilidade
– quan-
do o credor solicita ao devedor o cumprimento da obrigação. Não atendida voluntariamente ao chamado, o credor
pode “acionar” o devedor, por intermédio do processo, para que seja executado (em sentido largo: demandado) o
seu direito. Isso consiste na “executoriedade” do direito, quando o sistema jurídico proíbe a autotutela. Aprofun-
dando, a prescrição fulmina a “pretensão” (a exigibilidade), e não menoscaba o próprio “direito” em si mesmo (uma
complexa diferenciação que merece revisão na teoria geral do direito civil).
7 Os “novos direitos” não pedem licença ao legislador, em um mundo dinâmico como o atual. A questão exaspera o
âmbito do presente trabalho, mas registro que a “experiência jurídica” é muito maior que a aparentemente estática
previsão de normas legais. O mundo da vida reclama necessidades mais urgentes que a dinâmica legiferante – inclu-
sive porque
ex facto ius oritur
(e vice-versa).
8 O direito processual serve ao direito material e, por ele, também é servido. O processo possui uma (clássica)
função de garantia, falando em sentido amplo. Por exemplo, por intermédio do processo não apenas são julgados
litígios, mas também se homologam situações limítrofes de disposição de direitos (como o caso da separação e
do divórcio). Essa visualização é decisiva no presente estudo, porque a homologação consiste em uma espécie de
questão prévia à tutela do direito, de maneira a cotejar o caráter social da matéria colocada em juízo, a igualdade
material entre os sujeitos interessados, e as circunstâncias concretas do caso. Sobre o direito material, e como
método para promover a tutela efetiva do direito, o processo civil aparece com o seu rigor formal que, no entanto,
não deve ser um rigor excessivo, mas um formalismo-valorativo. O formalismo processual cumpre a importante
missão de garantir com efetividade, como lembra Troller: “O processo deve ser rigorosamente regulado enquanto
vigilante de fronteiras entre esferas jurídicas privadas desconhecidas (ou pelo menos duvidosas), em relação às
quais desempenha a sua tarefa de regulação. Por isso, nunca poderá ser afastado completamente o forte dualismo
entre o direito processual e o material. Para a prática do direito privado, esse dualismo mostra-se de muito maior
importância do que a bastante duvidosa divisão metódica entre direito positivo e direito natural”. Ver TROLLER,
Alois.
Dos fundamentos do formalismo processual civil.
Trad. Carlos Alberto Alvaro de Oliveira. Porto Alegre: Sérgio
Antônio Fabris, 2009, p. 17.
9 A racionalidade direcionada pela influência do Iluminismo, no glorioso século das luzes, estipulou uma metodolo-
gia de guinada empirista. Em termos de processo civil, essa vertente sufragou a corrente processualista ou cientifi-
cista que, por sua feita, levou ao extremo a consideração dos institutos jurídicos a partir de dicotomias. Na verdade,
é a matriz kantiana de separar o “racional” do “sensível”, o artifício da “mente” em contrapartida ao do “sentimen-
to”. Cenário que seria explicável melhormente, inclusive, não apenas pelos escritos de Kant, mas para quem tiver a