

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 17, n. 66, p. 214 - 248, set - dez. 2014
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Este (o Congresso), provocado por proposta de um de seus
membros ou por mensagem do Executivo a votar verba para
o cumprimento de sentença, examinava os fundamentos des-
ta e, se não lhe agradavam, negava o crédito solicitado. As-
sim, se sobrepunha um julgamento político ao Judiciário, era
um poder exautorado no exercício pleno de suas funções.
14
Como se vê, o sistema de pagamento por precatórios se dava de
maneira pessoal, mediante o favorecimento de determinados credores, e
em detrimento de outros, desrespeitando por completo qualquer ordem
de preferência, cronologia, impessoalidade ou mesmo moralidade.
Em verdade desde a promulgação da Constituição de 1824 até
julho de 1934, quando foi estabelecida a “nova República” do Brasil,
manteve-se tão vexatório expediente no pagamento das condenações
pecuniárias judicialmente impostas à Fazenda Pública federal
15
.
Nesse contexto, fortemente inspirada nos ideais de democracia e
direitos sociais, consagrados na Constituição alemã de Weimar de 1919
16
,
a Constituição Brasileira de 1934 pretendeu pôr fim a tamanhos abusos
17
.
Para tanto, estabeleceu, no artigo 182 (
caput
), um critério crono-
lógico para o pagamento dos precatórios (antiguidade da inscrição), uma
sanção para quem transgredisse a ordem imposta (contida no parágrafo
14 CUNHA, Lásaro Cândido da,
Precatório: Execução contra a Fazenda Pública
, Belo Horizonte, Del Rey, 1999, p 53,
apud
SILVA, Américo Luís Martins da,
Precatório-requisitório e requisição de pequeno valor (RPV)
,
op. cit.,
p. 73.
15 Nas palavras de Américo Luís Martins da Silva (
Precatório-requisitório e requisição de pequeno valor (RPV)
,
op. cit
.
p. 67), “durante a vigência das Ordenações e até julho de 1934, campeava no país, no tocante à execução das sentenças
condenatórias da Fazenda Pública, omais escandaloso dos abusos”. Informa que “nessa época, o Presidente da República,
os Ministros de Estado, o Tribunal de Contas, ou qualquer outra autoridade administrativa podiam ordenar pagamento,
em se tratando de sentenças judiciárias. A Câmara dos Deputados e o Senado Federal faziam signação de caso ou de
pessoas nas verbas legais para pagamento das referidas condenações. Daí não se respeitar a ordem de preferência. O
credor recebia o pagamento da dívida conforme o prestígio de que dispunha junto às autoridades do Poder Executivo e do
Poder Legislativo. Enfim, o pagamento dessas dívidas passivas era bastante tumultuado e sem organização apropriada.”
16 “A Constituição de 1934 inaugurou o constitucionalismo social no Brasil. Rompendo com o modelo liberal anterior, ela
incorporou uma série de temas que não eram objeto de atenção nas constituições pretéritas, voltando-se à disciplina
da ordem econômica, das relações de trabalho, da família, da educação e da cultura. A partir dela, pelo menos sob
o ângulo jurídico, a questão social não poderia ser tratada no Brasil como `caso de polícia´.”
in
SOUZA NETO, Cláudio
Pereira de; SARMENTO, Daniel,
Direito Constitucional. Teoria, história e métodos de trabalho
, Belo Horizonte, Fórum,
2012, p. 115. Informam os mesmos autores que, também por influência da disciplina contida na Constituição alemã de
1919, foi trazida para o ordenamento jurídico brasileiro, pela primeira vez, a ideia de função social da propriedade, no
artigo 113, inciso XVII (“É garantido o direito de propriedade, que não poderá ser exercido contra o interesse social ou
coletivo, na forma que a lei determinar.”).
17 “Nos anos 30, a pressão da opinião pública era incessante no sentido de compelir o legislador a estabelecer uma
forma para que as decisões condenatórias a pagamento de dinheiro fossem cumpridas. À época, a quitação de tais
débitos dependia da boa vontade do administrador e da força política do credor. Era preciso, pois, substituir a prática
clientelista e discricionária por um mecanismo impessoal e vinculado, que transformasse o pagamento das conde-
nações judicias num dever, ao invés de uma faculdade.” DIAS, Luiz Cláudio Portinho em "A questão da dispensa do
precatório nas execuções contra a Fazenda Pública",
Revista ADCOAS
, v. 13, 2001, p. 7.