

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 17, n. 66, p. 196 - 213, set - dez. 2014
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É também o próprio Estatuto que proíbe qualquer forma de
opressão ou discriminação contra o idoso (art. 4º), colocan-
do-o a salvo de qualquer tratamento vexatório ou constran-
gedor (art. 10, § 3º). E não há nada mais opressor e constran-
gedor do que, por exemplo, obrigar uma pessoa a presenciar
e até mesmo participar da formalização de uma prisão em
flagrante contra um parente próximo ou companheiro e vê-lo
ser recolhido aos nossos promíscuos estabelecimentos prisio-
nais; ou obrigá-la a participar, contra sua vontade, de uma
instrução criminal na qual está sentado no banco dos réus,
por exemplo, seu cônjuge.
É ainda a Lei 10.741/03 que garante o direito à preservação
da autonomia dos idosos (art. 10, § 2º), a qual é evidente-
mente violada ao se retirar deles a prerrogativa de escolher
entre representar criminalmente contra um parente, cônjuge
ou companheiro, em razão da prática de um crime patrimonial
esporádico. Com efeito, não se permite ao idoso exercer uma
das mais importantes oportunidades de sua autonomia, que é
a decisão sobre a liberdade de um parente ou companheiro.
É o Estatuto, finalmente, que considera como criminosas as
condutas, por motivo de idade, de impedir o idoso de ocu-
par cargo público (art. 100, I), de trabalhar (art. 100, II), de
realizar operações bancárias ou contratar (art. 96). É de se
perguntar, então, por que, se os idosos podem trabalhar, ocu-
par cargos públicos, contratar e controlar seus rendimentos
– o que pressupõe o reconhecimento de que são pessoas com
pleno discernimento – não lhes é permitido decidir sobre a
representação criminal?[9].
As referências a esses dispositivos bastam para evidenciar o
descompasso do artigo 110 com o “espírito da lei”. Eles que-
bram a harmonia e unidade sistemática da Lei 10.741/03 e,
por isso, atingem também o princípio constitucional da razo-
abilidade, pois como diz Canotilho “(…) a lei, embora tenden-
cialmente livre no fim, não pode ser contraditória, irrazoável,
incongruente consigo mesma”[10].