

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 17, n. 66, p. 196 - 213, set - dez. 2014
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Também não é válido o argumento de que os idosos são pes-
soas sem condições de se defender, uma vez que as escusas
penais, como se sabe, somente são aplicáveis aos delitos patri-
moniais praticados sem violência ou grave ameaça à pessoa.
E não é plausível, ainda, a sustentação de que a medida
do art. 110, da Lei. 10.741/03 visa a proteger os idosos de
desfalques permanentes ao seu patrimônio, praticados por
parentes inescrupulosos que os relegam à miséria (o que re-
almente ocorre no cotidiano). Isso porque tais condutas fo-
ram tipificadas como crimes autônomos no próprio Estatuto
do Idoso (artigos 102, 103, 106, 107 e 108), todos de ação
pública incondicionada e sem possibilidade de aplicação
das imunidades do Código Penal (artigo 95, do Estatuto).
Forçoso concluir, assim, que o artigo 110, do Estatuto do Ido-
so contraria vários princípios constitucionais, por ser discri-
minatório e irrazoável, na medida em que pressupõe, sem
motivo plausível, que todas as vítimas idosas não têm con-
dições, como as outras pessoas, de decidir sobre a represen-
tação criminal[7]; por ser não isonômico, já que não confere
aos idosos o mesmo direito das outras pessoas de não ver o
parente ou cônjuge ser processado pela prática de um delito
cujo bem jurídico atingido é disponível (o patrimônio); por
ofender, principalmente, a dignidade do idoso, impondo-lhe,
opressivamente, uma ordem de valores[8] que pode não ser
a dele, submetendo-o a uma situação no mínimo constran-
gedora, de assistir a uma incriminação indesejada de uma
pessoa próxima.
Além disso, o citado artigo 110 contraria a própria essência
do Estatuto do Idoso. Afinal de contas, não é outra lei, senão
o próprio Estatuto, que reconhece a importância da convivên-
cia e dos laços familiares para os idosos, ao dispor no artigo
3º, § único, III, “a priorização do atendimento do idoso por
sua própria família, em detrimento do atendimento asilar
(…)” e impor às entidades de acolhimento a “preservação dos
vínculos familiares” (arts. 49, I e 50, VI).