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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 17, n. 66, p. 196 - 213, set - dez. 2014

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No caso da representação criminal, o dispositivo mencionado

retira do idoso o direito de sentir piedade de um parente que-

rido, o direito de colocar seus valores afetivos, emocionais

e espirituais acima de suas coisas materiais, justamente um

dos sentimentos mais fortes e presentes em pessoas cuja ex-

periência de vida já lhes tornaram capazes de perceber que a

companhia, amizade, respeito e carinho de um ente próximo

são valores inafastáveis.

É mais um caso de desrespeito à vítima, cujos interesses e

sentimentos sempre foram desconsiderados no fenômeno do

crime e na sistemática processual. É um dispositivo opressor

e insensível, que expõe o idoso a um constrangimento inde-

vido, de eventualmente ver, contra sua vontade, um parente

ou companheiro querido ser processado criminalmente por

um delito patrimonial do qual ele foi a própria vítima. E, re-

pita-se, é um dispositivo discriminatório, na medida em que

retira dos idosos um direito reconhecido às demais pessoas

(direito de representar ou não) sem um critério razoável que

justifique a diferenciação de tratamento. É, enfim, a errônea

suposição de nossos legisladores de estarem em mais condi-

ções de sentir e decidir do que os idosos.

Caminharam nossos legisladores penais na contramão da

evolução histórica, que cada vez mais potencializa os valores

da pessoa humana, colocando o homem como limite de tudo,

inclusive do direito[6]. E mais: com tal dispositivo, reafirmaram

que os valores patrimoniais continuam sendo mais caros do

que qualquer outro. O bem patrimonial, ainda hoje, continua

sendo, aos olhos da lei, mais importante do que a família.

Nem se argumente que os dispositivos visarama aumentar a es-

fera de proteção dos idosos, porque as escusas dos artigos 181

e 182 do C.P. têmpor objetivo proteger justamente interesses da

vítima (a harmonia e a integridade familiares) e não, interesses

do infrator de se manter impune. Então, a norma do artigo 110,

do Estatuto do Idoso não aumenta, mas ao contrário, pode dimi-

nuir a esfera de proteção dos interesses dos idosos.