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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 17, n. 66, p. 196 - 213, set - dez. 2014

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nos crimes patrimoniais cometidos sem violência ou grave

ameaça à pessoa; por sua vez, o artigo 182, I a III trata das

imunidades relativas, que tornam a ação penal condicionada

à representação da vítima quando o autor da infração pa-

trimonial for cônjuge separado, irmão, tio ou sobrinho com

quem o agente coabita.

É explícita a intenção da lei, nesses casos, de colocar os va-

lores sociais da família, os laços consanguíneos e afetivos, os

sentimentos oriundos da coabitação diária, acima de interes-

ses patrimoniais e mesmo dos interesses sociais de punição

do infrator. Em um típico caso de ponderação de valores, op-

tou o legislador em preservar aqueles considerados, na hipó-

tese, mais relevantes – os valores familiares e humanitários.

Os artigos 181 e 182 do C.P. são dispositivos sábios, pois não

é mesmo possível exigir de uma pessoa que acuse ou aceite a

punição de um ente querido, que muitas vezes lhe representa

o que de mais importante tem na vida (um filho, por exemplo)

em razão, v.g., de um estelionato, um furto ou uma apropria-

ção indébita de um bem perfeitamente substituível e muitas

vezes de valor secundário.

Ao dispor que as escusas do Código Penal não se aplicam aos

crimes patrimoniais praticados em desfavor das pessoas com

sessenta anos ou mais, nosso legislador outra vez demons-

trou que seu furor punitivo e seu amor pela lei e ordem não

têm limites, confirmando uma prática perversa que tem se

reiterado nos últimos tempos de inserir, em nosso ordena-

mento penal, dispositivos que violam a ordem constitucional.

O combatido artigo 110, do Estatuto do Idoso atinge em cheio

a dignidade dos idosos, ao negar-lhes o direito de não ver um

ente querido ser processado e até preso por um isolado crime

patrimonial; ainda ofende o direito de igualdade, autodeter-

minação e não discriminação ao subtrair-lhes a prerrogativa,

conferida às demais vítimas, de decidir sobre a representa-

ção para o início da persecução penal, considerando-os, as-

sim, pessoas destituídas dessa capacidade de decisão.