

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 17, n. 66, p. 158 - 186, set - dez. 2014
175
da garantia não mais integra o patrimônio do devedor fiduciante, ago-
ra insolvente, uma vez que, antes do pedido de recuperação, já houve a
transferência/cessão, ainda que em caráter fiduciário, ao patrimônio do
credor fiduciário.
35
Caso assim não fosse, haveria uma incoerência lógica do sistema: um
bem de propriedade do credor fiduciário integraria o acervo da massa falida
de modo a responder por todas e quaisquer dívidas do devedor fiduciante.
Lembre-se que as normas legais afetam a atuação e a tomada de
decisões dos agentes econômicos. As instituições financeira são incenti-
vadas a contratar empréstimos e financiamentos ao terem asseguradas as
garantias atreladas a tais contratos, mesmo em casos em que a empresa
contratante entra em recuperação judicial. Conforme esclarece Lídia Va-
lério Marzagão, isso tem impacto no
spread
da taxa de juros, pois este
está vinculado às taxa de risco e inadimplência. Assim, “
na medida em
que o sistema dá proteção legal e jurídica fornecendo os meios para que
o direito à propriedade privada esteja suficientemente garantido, como o
respeito no cumprimento dos contratos, estará fornecendo meios para o
crescimento do capital, fundamental para o país.
” 36
Nessa mesma linha, Eduardo Secchi Munhoz
37
aponta o impacto
que esse sistema tem sobre a concessão de crédito e empréstimos, enfa-
tizando que “
há dados estatísticos a demonstrar que, historicamente, no
Brasil, as menores taxas de juros verificam-se justamente na concessão de
empréstimos garantidos por alienação fiduciária.
”
Muito embora esse seja o entendimento majoritário, há quem dis-
corde. Elias Katudjan
38
, citando o Ministro da Fazenda Guido Mantega, con-
35 ASSUMPÇÃO, Márcio Calil de; CHALHUB, Melhim Namem. "A Propriedade Fiduciária e a Recuperação de Empre-
sas".
Revista do Advogado
n. 105. São Paulo: AASP, 2009, p. 136.
36 MARZAGÃO, Lídia Valério. Capítulo II.
In:
MACHADO, Rubens Approbato.
Comentários à Nova Lei de Falências e
Recuperação de Empresas – Doutrina e Prática.
São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 88.
37 MUNHOZ, Eduardo Secchi. "Cessão Fiduciária de direitos de crédito e recuperação judicial de empresa".
Revista
do Advogado
n. 105. São Paulo: AASP, 2009, p. 40.
38 “Essas modificações foram introduzidas sob a falsa justificativa de serem necessárias para a redução do
spread,
pela redução dos riscos resultantes da inadimplência dos tomadores de empréstimos e financiamentos junto a insti-
tuições financeiras. Pois bem, cabe, hoje, perguntar: o
spread
foi efetivamente reduzido como prometido? Deixamos
que a resposta seja dada por ninguém menos que o Ministro da Fazenda, Guido Mantega: “O bode na sala é o
spre-
ad.
As instituições financeiras dizem que querem se garantir contra a inadimplência,mas abusam. Fora os períodos
de crise, quando ela aumenta mesmo, nossa inadimplência é normal. Mas ela é superestimada pelas instituições
financeiras.” Disse mais: “O custo financeiro no Brasil continua muito alto. É uma distorção em relação ao que acon-
tece em outros países. A grande anormalidade é que os
spreads
(diferença entre o custo que o paga na captação do
dinheiro e o juro que cobra do cliente) são muito altas no país. O consumidor brasileira paga juros absurdos” (parte
da entrevista concedida ao
Estado de São Paulo
de 21/06/2009, no caderno “Economia”, p. B-6).” KATUDJAN, Elias.
"Pela (re)inclusão dos créditos excluídos da recuperação".
Revista do Advogado
n. 105. São Paulo: AASP, 2009, p. 50.