

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 17, n. 66, p. 138 - 157, set - dez. 2014
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Na interpretação de Nozick, esse princípio é a retratação do princí-
pio Kantiano de que as pessoas são “fins em si mesmas”. Kymlicka argu-
menta que de fato essa máxima Kantiana é um princípio com que a huma-
nidade realmente está fortemente comprometida e se Nozick conseguir
conectar a posse de si mesmo ao princípio Kantiano, ele terá conseguido
desenvolver uma defesa sólida do libertarismo.
Como justifica Kymlicka, a correlação que Nozick faz entre o seu
princípio da posse de si mesmo e o princípio Kantiano é de que se os indi-
víduos são fins e não meramente meios, eles não podem ser sacrificados
ou usados para alcançar outros fins sem seu consentimento.
Nozick interpreta o uso de esquema de distribuição para compen-
sar deficiências imerecidas como um mecanismo utilitarista e isso é ina-
ceitável porque os indivíduos dispõem de direitos absolutos e que a so-
ciedade respeitará uma vez que não estão sujeitos a cálculos utilitários.
Entretanto, há divergência entre o pensamento de Nozick e Rawls
a respeito de quais direitos são mais importantes ao se tratar as pessoas
como fins em si mesmas. Para Rawls, um dos direitos mais importantes é
o direito a certa parcela dos recursos da sociedade e para Nozick os direi-
tos mais importantes são os direitos absolutos sobre coisas específicas.
Nozick, portanto, acredita que o esquema redistributivo proposto por Ra-
wls, de que os mais talentosos (better offs) sejam usados para aumentar o
bem-estar dos mais desfavorecidos (worst offs), viola o princípio da posse
de si mesmo.
A proposta dos adeptos de teorias liberais não desconsidera os di-
reitos dos indivíduos sobre seus talentos naturais. Elas apenas apresentam
um sistema corretivo da desigualdade inicial porque acreditam que a distri-
buição inicial é questão de pura sorte bruta e dessa forma não é um direito
absoluto auferir recompensas desiguais no exercício desses talentos.
Assim, para os liberais, como os talentos são imerecidos, não é vio-
lação das regras morais aceitar que o governo considere esses talentos
como parte de esquemas redistributivos. Não é moralmente ilegítimo
afirmar que os indivíduos naturalmente desfavorecidos têm um direito
sobre os favorecidos, que por sua vez têm uma obrigação moral para com
os desfavorecidos.
11
Para Nozick, isso constitui uma negação da posse de si mesmo. É
que Nozick estende a proteção do princípio da posse de si mesmo para
11 Na teoria de Dworkin os talentosos devem prêmios de seguro que são pagos aos desfavorecidos; para Rawls os
favorecidos só se beneficiam de seus talentos se isso também beneficia os desfavorecidos.