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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 19, n. 4, p. 191 - 209, Setembro/Dezembro. 2017

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A funesta situação relatada, não era apenas um golpe contra a de-

mocracia, mas também se constituía como uma ferida mortal no próprio

conceito de Federação, que pressupunha a autonomia irrestrita de todos os

entes do pacto federativo (União, Estados e Municípios – incluindo-se na

República brasileira o Distrito Federal com

status

híbrido conquanto deten-

tor de competências administrativas estaduais e municipais, como sucessor

do “município neutro” imperial)

19

.

Com o processo de redemocratização implementado a partir de 1985

e com a ascensão da Nova República, a Constituição de 1988 apresentou

duas características marcantes, a par de todas as demais novidades até então

(considerando o término de mais um regime autoritário no país): reforçou

sobremaneira os poderes conferidos ao Congresso Nacional (como represen-

tante do Poder Legislativo da União) e dos Municípios (como reafirmação

da observância ao pacto federativo original do Estado brasileiro).

Os arts. 23 e 30 da

Lex Mater

norteiam a atuação do Município no

pacto federativo, expondo competências administrativas e legislativas muni-

cipais. Enquanto compartilha com os demais entes federativos as atividades

administrativas na forma do art. 23 (seguindo o modelo de federalismo coo-

perativo), o

20

art. 30 da Constituição do Brasil expõe competência legislativa

municipal de duas espécies: exclusiva (inciso I) e suplementar (inciso II) –

além de também especificar competências administrativas (incisos III a IX).

19 Nesse desiderato, trazendo uma didática definição com breve percurso histórico do Estado Federal em seu principal

exemplo, por todos, cf. DALLARI, Dalmo de Abreu.

Elementos de Teoria Geral do Estado

. 27ª Ed. São Paulo: Saraiva,

2007, pp. 255-257: “

Nas classificações tradicionais, os Estados são considerados

unitários

quando têm um poder central que é a cúpula e o

núcleo do poder político. E são

federais

quando conjugam vários centros de poder político autônomos.

(…)

O Estado Federal nasceu, realmente,

com a constituição dos Estados Unidos da América, em 1787. Em 1776 treze colônias britânicas da América declararam-se independentes,

passando a constituir, cada uma delas, um novo Estado. Poucos anos depois celebraram entre si um tratado, conhecido como

Artigos de

Confederação

, aliando-se para uma ação conjunta visando, sobretudo, à preservação da independência. Já em 1643 quatro colônias haviam

constituído a Confederação da Nova Inglaterra, para atuarem juntas nas guerras contra os indígenas e para resistirem às ameaças da expansão

holandesa na América. Em 1784 reuniu-se pela primeira vez um Congresso intercolonial, tendo Benjamin Franklin apresentado um plano

de união das colônias, sem obter aprovação. Mas o Congresso continuou a reunir-se, o que influiu para que em 1776 houvesse a Declaração

de Independência, assinada em conjunto pelas treze colônias. Finalmente, depois de prolongados debates, foram assinados, em 1º de março de

1781, os Artigos da Confederação, passando o Congresso a denominar-se

Os Estados Unidos Reunidos em Congresso

. Já não havia

mais colônias, e sim Estados, que se uniam numa Confederação. Esta recebeu o nome de

Os Estados Unidos da América

, declarando-se

que se tratava de uma união permanente.

(…)

A experiência demonstrou, em pouco tempo, que os laços estabelecidos pela confederação eram

demasiado frágeis e que a união dela resultante era pouco eficaz.

(…)

Em outras palavras, propunham que a confederação se convertesse em

federação, constituindo-se um Estado Federal

”.

20 Apresentando exposição didática sobre o modelo contemporâneo de federalismo cooperativo, cf. FABRIZ, Daury

Cesar.

Federalismo, Municipalismo e Direitos Humanos

. Revista do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais.

v. 77, n. 4, ano XXVIII, out./nov./dez. 2010, pp. 82-83: “

Como se observou, o federalismo norte-americano (modelo para todos os

demais) se baseou numa rígida distribuição dualista de poderes e competências, o que forneceu os espaços para a desmedida ampliação da União

e desestabilização das forças internas do pacto federativo. Nos tempos atuais, contudo, o que se observa é uma evolução do federalismo em sua

perspectiva dualista movida, principalmente, pelos processos de integração na seara política, dando origem a um modelo com traços marcantes

de cooperação e intergovernabilidade, na busca da unidade com a diversidade. É este o terreno do federalismo de cooperação ou equilíbrio. Dois

exemplos sempre citados desta tentativa de integração federativa no campo da distribuição de competências são a Constituição da Áustria de

1920 e a Lei Fundamental da República Federal da Alemanha de 1949.

(…)

Foi a partir do desenvolvimento das técnicas de competência

comum e concorrente que a teoria federalista passou a conceber um modelo de gestão cooperativa e intergovernamental. E, neste contexto, coube

à Constituição Federal a tarefa de estabelecer a distribuição de competências legislativas a partir do reconhecimento da autonomia constitucional

dos entes federativos, pois como bem observa Gilberto Bercovici, ‘a fonte da cooperação federal é a Constituição’. A sistemática do interesse

comum, por exemplo, fornece uma possibilidade de singularização das decisões, a partir do momento que conta com a participação de todos os

entes federados e, tecnicamente, dois são os momentos de decisão na cooperação:38 (i) primeiramente, no âmbito federal, se estabelece o momento

das opções a serem adotadas, cuidando de uma escolha sintonizada com todos os entes competentes para a disciplina em questão; (ii) em momento

posterior ocorre a execução das decisões planejadas, em âmbito estadual ou regional, de acordo com as necessidades e peculiaridades fáticas

”.