

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 19, n. 4, p. 191 - 209, Setembro/Dezembro. 2017
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enquanto princípio republicano fundamental, os valores sociais do trabalho
e da livre iniciativa (CRFB/1988, art. 1ª, IV).
Frise-se que a República brasileira adota oficialmente o modo de pro-
dução econômica capitalista, mas, por ter pretendido construir uma social-
-democracia ao longo de grande parte do século XX, não olvidou em seu
texto constitucional de mecanismos de controle da economia típicos do
modo socialista de produção
6
. Não obstante a maioria dos princípios cons-
titucionais econômicos serem de matriz capitalista, esse raciocínio se com-
prova a partir do momento em que o fim da ordem econômica, segundo o
art. 170 da
Lex Mater,
é o de “
assegurar a todos existência digna, conforme
os ditames da justiça social
”
7
.
O princípio constitucional da livre concorrência visa a coibir o abuso
do poder econômico
8
, promovendo o equilíbrio do mercado. A Lei 12.529,
de 30 de novembro de 2011, regulamenta o art. 173, §4ª, da CRFB/1988
9
,
disciplinando o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC). Por-
tanto, o ordenamento jurídico pátrio dispõe de lei regulamentadora do prin-
cípio da livre concorrência, implementando efetividade (eficácia social) à
norma-princípio positivada no texto constitucional.
6 É possível chegar à conclusão de que o Estado brasileiro adotou uma ordem constitucional econômica mista não apenas
pela ponderação dos princípios expostos (valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, livre concorrência e redução
das desigualdades sociais e regionais), como a própria história política brasileira demonstra que desde a Constituição de
1934 empreenderam-se esforços para consolidar uma social-democracia no Brasil, ideia esta que enfraqueceu apenas na
década de 1990, quando da formulação do Plano Nacional de Desestatização (PND – Leis 8.031, de 12 de abril de 1990
e 9.491, de 9 de setembro de 1997), que objetivou implantar mecanismos da nova teoria econômica e política neoliberal,
desenvolvida de forma mais pujante nos governos Ronald Reagan (Estados Unidos da América) e Margaret Thatcher
(Reino Unido), a partir da década de 1970.
7 Nesse desiderato, José Afonso da Silva tece críticas ao fim da ordem constitucional econômica e à efetividade de seu
conteúdo,
in verbis
: “
Assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da
justiça social
, não será tarefa fácil num sistema de base
capitalista e, pois, essencialmente individualista. É que a justiça social só se realiza mediante equitativa distribuição de riqueza. Um regime
de acumulação ou de concentração do capital e da renda nacional, que resulta da apropriação privada dos meios de produção, não propicia
efetiva justiça social, porque nele sempre se manifesta grande diversidade de classe social, com amplas camadas da população carente ao lado
de minoria afortunada. A história mostra que a injustiça é inerente ao modo de produção capitalista, mormente do capitalismo periférico.
Algumas providências constitucionais formam agora um conjunto de direitos sociais com mecanismos de concreção que devidamente utilizados
podem tornar menos abstrata a promessa de justiça social. Esta é realmente uma determinante essencial que impõe e obriga que todas as demais
regras da constituição econômica sejam entendidas e operadas em função dela
” (op. cit., p. 789). Semelhantemente, Eros Roberto Grau
apresenta significativa reflexão sobre o modo de produção capitalista e sua influência na estrutura estatal: “
Note-se bem que
estou, neste passo, a referir ainda o Estado de classes, arrebatado pela burguesia e, assim, posto ao serviço do sistema capitalista de produção.
Posterior a ele, porque o suprassume, é o Estado hegeliano, Estado da racionalidade como razão efetiva. Neste, deverão desaparecer os antago-
nismos, dado que, dialeticamente, o que dá sentido às partes é a totalidade. Estado moderno, Estado burguês, é ainda determinado por certos
particularismos, antagônicos a outros. Ele ainda se confunde, por uma larga parte, com o Estado do exterior, o Estado da necessidade e do
entendimento, isto é, carrega ainda caracterísitcas da sociedade civil (
Bürgerliche Gesellschaft
), que, logicamente suprassumida no sistema
hegeliano, ainda não encontrou a sua plena realização nas estruturas engendradas pela modernidade
” (GRAU, Eros Roberto.
A Ordem
Econômica na Constituição de 1988
. 18ª Ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2017, p. 15).
8 Relevante, nesse ponto, excerto doutrinário da lavra de Guilherme Canedo de Magalhães,
in verbis
: “
Quando o poder econômico
passa a ser usado com o propósito de impedir a iniciativa de outros, com a ação no campo econômico, ou quando o poder econômico passa a ser o fator
concorrente para um aumento arbitrário de lucros do detentor do poder, o abuso fica manifesto
” (Cf. MAGALHÃES, Guilherme A. Canedo
de.
O Abuso do Poder Econômico: apuração e repressão
. Rio de Janeiro: Artenova, 1975, p. 16).
9 Constituição do Brasil, art. 173, §4º: “
lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da
concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros
”.