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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 19, n. 4, p. 177 - 190, Setembro/Dezembro. 2017

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jurídico. Neste sentido, Flávio Tartuce (2007) ensina ainda que o contrato

não tem foco no patrimônio, mas sim no indivíduo que contrata, a fim de

atender o mínimo para que a pessoa viva com dignidade.

O que não se pode negar é que o simples estado gravídico já traz por

si só um turbilhão emocional para a gestante, que frente à situação concreta

poderia não mais ter vontade de entregar a criança por ela gerada. Assim,

de acordo com Gonçalves (2012, p. 24), “como é cediço, essa situação pode

submeter à gestante a forte carga emocional e afetiva, pois o instinto natural

conduz a um evidente e compreensível apego à criança gerada”. E, por isso,

pode ocorrer a hipótese em que a mulher hospedeira, embora tenha acor-

dado pela entrega da criança gerada à idealizadora, após o parto se recuse a

fazê-lo, suscitando questões de ordem ética, jurídica e, até mesmo, religiosa,

de difíceis soluções.

A não entrega da criança gera uma grave quebra no acordo, sendo ne-

cessário que a mulher hospedeira seja compelida a entregá-la a quem por ela

espera, para assim constar no assento de nascimento. Destaca-se ainda que

a mulher hospedeira, a partir do momento em que firma o liame subjetivo,

confere segurança àquela situação. Sendo assim, a parte oposta que com ela

pactuou acredita na entrega da criança. É uma verdadeira esperança em ter

nos braços o filho tão esperado e planejado.

O contrato, como negócio jurídico bilateral, deve ser respeitado pelas

partes contratantes, na medida em que, na sua formação, as partes tiveram auto-

nomia privada para exercer essa faculdade. Desde que estabelecido o sinalagma

contratual que cria direitos e obrigações para ambas as partes, não pode uma

delas tempos depois se furtar ao cumprimento das obrigações ajustadas quando

da contratação. Na medida em que se firma um acordo, ele deve ser cumprido.

Ainda com relação à quebra do contrato pela mulher hospedeira,

no momento em que ela decide não entregar a criança por ela gerada, há o

vilipêndio do princípio da função social dos contratos. Por meio desse prin-

cípio, o homem é considerado como um ser de valor ético e moral, erguido

a um grau de respeitabilidade que se reflete nos atos que pratica durante seu

cotidiano, com maior rigor ainda neste delicado contrato que é o de gesta-

ção de útero de substituição. Nesse contrato, não se tem apenas a vida de

uma criança indefesa, mas também o sonho de uma mãe ou de um casal em

lograr êxito na criação de uma família, que lhe trará raízes, afeto e felicidade.

O que se vê, neste contrato, é muito mais do que uma simples obrigação, e

sim a concretização de um sonho e realização afetiva.