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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 19, n. 4, p. 177 - 190, Setembro/Dezembro. 2017

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Essa boa-fé presente, tão orquestrada pelo ordenamento jurídico, deve

ser o sustentáculo para a conduta da mulher hospedeira, uma vez que a ma-

lícia não pode ser regra dentro de um acordo validamente firmado, sendo

sumariamente rechaçada pelo sistema normativo civil. Conforme explica

Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald,

O princípio e a cláusula geral da boa-fé objetiva, aplicável a

todo o direito obrigacional - e não apenas a negócios jurídi-

cos bilaterais -, amplia o conteúdo da relação contratual. Para

além das obrigações emanadas da autonomia privada (dar, fa-

zer e não fazer), surgem os deveres anexos ou instrumentais,

indiretamente tratados nos arts. 187 e 422, CC). Os deveres de

proteção, informação e cooperação são inseridos em toda obri-

gação, lateralmente à obrigação principal, por uma exigência

ética do ordenamento jurídico, calcada na concepção da obri-

gação como processo e, portanto, vocacionada ao adimplemen-

to, com resguardo das situações patrimoniais e existenciais dos

parceiros contratuais (FARIAS; ROSENVALD, 2015, p. 553).

Mesmo que realizado um contrato no tocante ao útero de substitui-

ção, face à não regulamentação específica da matéria, podem surgir questio-

namentos com relação ao fato de a mulher hospedeira decidir não entregar

a criança nela gerada, seja por motivos emocionais ou até mesmo patrimo-

niais. A celeuma advinda deste ato deve ser resolvida no sentido de se valer

o que foi acordado dentro do contrato anteriormente realizado. No Brasil,

não há lei específica que regulamente essa prática, fazendo com que a deci-

são judicial para casos levados a seu crivo se sustente na boa-fé contratual e

dignidade da pessoa humana. Na legislação comparada, a título de exemplo,

há casos em que se procurou resolver essas nuances. Neste sentido, Olga

Krell expõe que:

Caso surgirem disputas referentes aos direitos sobre a criança

havida por maternidade de substituição, os tribunais norte-

-americanos tendem a decidir no sentido de entregar a criança

ao casal que a ‘encomendou’ (KRELL, 2006, p. 192).

Mesmo não tendo uma determinação legal atribuída à prática do

útero de substituição, uma vez firmado o acordo, ele tem força obrigató-

ria, compelindo os contratantes ao cumprimento do conteúdo do negócio