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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 19, n. 4, p. 137 - 160, Setembro/Dezembro. 2017
Nessa esteira, a regra de facilitação constante da parte final do §3ª do
artigo 226 não deve ser lida como uma anacrônica hierarquização das rela-
ções familiares, mas como norma fomentadora de segurança jurídica, propi-
ciada pelas formalidades inerentes ao casamento
49
. Embora tal segurança seja
desejável, sua ausência em nada desmerece o vínculo socioafetivo formado
pelos companheiros, carecedor do mesmo respeito e proteção que as relações
estabelecidas pela chancela estatal.
Há que se concluir, ante todo o exposto, pela insubsistência do artigo
1790 em nosso sistema jurídico, considerada sua total incompatibilidade
com a Constituição da República, como felizmente reconheceu o Supremo
Tribunal Federal e foi tão bem sintetizada por Ana Luiza Maia Nevares:
Desse modo, não podendo haver tutela sucessória diferencia-
da em virtude da diversidade entre casamento e união estável,
pois ambas constituem um organismo familiar, que qualifica a
relação do chamado à sucessão, bem como sendo encontrada a
mesma vedação em razão da posição que cônjuge e companhei-
ro ocupam nas respectivas comunidades familiares, conclui-se
que os direitos sucessórios conferidos a um e a outro devem ser
os mesmos, observando-se as relações patrimoniais existentes
entre os consortes.
50
7. CONCLUSÃO
O artigo 93, IX, da Constituição, ao estabelecer o dever dos magis-
trados de fundamentarem suas decisões, é norma que objetiva propiciar o
controle democrático das decisões judiciais
51
. Essa fiscalização se afigura
particularmente relevante sobre os julgamentos que envolvam a aplicação
49 “Daí igualmente o porquê da determinação ao legislador ordinário no sentido de facilitar a conversão em casamento
das uniões estáveis (art. 226, § 3º). Ou seja, quis o constituinte que o legislador ordinário facilitasse a transformação (do
título de fundação) formal das entidades familiares,
certo de que, com o ato jurídico solene do casamento, seriam mais seguras as
relações familiares
. Não pretendeu, com isso, o constituinte criar famílias de primeira e segunda classe, já que previu, pura e
simplesmente, diversas modalidades de entidades familiares, em igualdade de situação. Pretendeu, ao contrário, no sentido
de oferecer proteção igual a todas as comunidades familiares,
que fosse facilitada a transformação do título das uniões estáveis, de
modo a que a estas pudesse ser estendido o regime jurídico peculiar às relações formais
” (TEPEDINO, Gustavo. “A Disciplina Civil-
Constitucional das Relações Familiares”. In: TEPEDINO, Temas de Direito Civil, op. cit., p. 430-431, grifou-se).
50 NEVARES, A Sucessão do Cônjuge e do Companheiro na Perspectiva do Direito Civil-Constitucional, op. cit., p. 151.
51 “A exigência da motivação das decisões judiciais tem dupla função. (...) Fala-se ainda numa função exoprocessual ou
extraprocessual, pela qual a fundamentação viabiliza o controle da decisão do magistrado pela via difusa da democracia
participativa, exercida pelo povo em cujo nome a sentença é pronunciada. Não se pode esquecer que o magistrado exerce
parcela de poder que lhe é atribuído (o poder jurisdicional), mas que pertence, por força do parágrafo único do art. 1°
da Constituição Federal, ao povo” (DIDER JR., Fredie [et al.]. Curso de Direito Processual Civil, vol. 2. 10. ed. Salvador:
Jus Podivm. 2015. p. 315).