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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 19, n. 4, p. 137 - 160, Setembro/Dezembro. 2017
resultar, ainda que de modo reflexo, na restrição das manifestações de afeto.
É nesse sentido a ponderação trazida por Regina Beatriz Tavares da Silva,
acolhida expressamente pelo voto do Ministro Marco Aurélio, ao assentar que:
Ao contrário do que pretende o Ministro Barroso, se o STF equi-
parar indevidamente a união estável ao casamento, os casais em
união estável não escolherão entre nela permanecer, ou casar. As-
sustados, e com razão, pela insegurança jurídica em que o STF os
deixará, os casais em união estável, muito mais provavelmente,
ponderarão entre mantê-las, ou dissolvê-las. Se dissolvidas, não
existirão direitos sucessórios! Quem ainda não vive em entida-
de familiar, possivelmente temeroso de seus efeitos sucessórios,
permanecerá sozinho, fará declarações de namoro para assegurar
que a relação que vive não é de união estável, enfim, não poderá
extravasar seu afeto, terá que contê-lo, tornar-se-á infeliz e isto
em razão de uma decisão equivocada do STF. O STF, então, ou
revê seu entendimento, por ora provisório, ou pode ter a certeza
de que, apesar de suas melhores intenções, estará contribuindo a
afrouxar os relacionamentos e a destruir o afeto.
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A possibilidade real de uma decisão judicial destruir o afeto, ou, ain-
da que não chegasse a tanto, criar um intenso embaraço à possibilidade de
sua vivência, seria um vetor interpretativo relevante no sentido contrário ao
da decisão, sendo certo que a afetividade é aspecto central para a realização
da personalidade humana.
Contudo, o cenário retratado parece pouco factível. Conforme imor-
talizado pela pena de Carlos Drummond de Andrade, o “amor foge a dicio-
nários e a regulamentos vários”
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. Revela-se, assim, extremamente improvável
que a modificação do regime sucessório, ainda que seja do conhecimento do
casal, seja causa suficiente para impedir pessoas que se amam de viverem em
comunhão, constituindo uma família. O conteúdo do artigo 1829, embora
passível de críticas, não parece ser tão repugnante ao ponto de servir de de-
sestímulo a que as pessoas expressem seu afeto – se assim o fosse, seria o caso
de investigar a sua inconstitucionalidade, por implicar barreira à constitui-
ção não apenas de uniões estáveis, mas também de casamentos.
38 SILVA, Regina Beatriz Tavares da. O afeto será prejudicado pelo STF. Disponível em:
<http://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/o-afeto-sera-prejudicado-pelo-stf/>. Acesso em 15.06.2017.
39 ANDRADE, Carlos Drummond de. As sem-razões do amor, apud CALDERON, op. cit., p. 265.