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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 19, n. 4, p. 137 - 160, Setembro/Dezembro. 2017

Em verdade, a declaração de inconstitucionalidade do artigo 1790,

com a consequente submissão dos companheiros ao regime do artigo 1829,

constitui alteração com pouco impacto na dinâmica concreta do casal, uma

vez que os efeitos sucessórios só se colocam após a morte de um de seus in-

tegrantes. A decisão do STF apenas restabelece o quadro normativo vigente

antes do Código Civil, no qual havia um regramento sucessório único para

o casamento e a união estável. Nunca se cogitou, àquele tempo, de que a

ausência de um regime sucessório alternativo inibisse os casais de constituí-

rem família

40

; não parece haver elementos concretos que indiquem que isto

efetivamente ocorrerá a partir de agora.

Daí se poder afirmar, com alguma segurança, que a recente decisão do

Supremo Tribunal Federal, além de não acarretar uma limitação indevida na

liberdade do casal, também não ensejará qualquer reflexo negativo nas suas

vidas afetivas.

6. OUTROS FUNDAMENTOS PARA A DEFESA DA INCONSTITU-

CIONALIDADE DO ARTIGO 1790

Tecidas as considerações pertinentes à invocação do princípio da li-

berdade, merecedor de atenção especial, resta analisar, ainda que brevemen-

te, outros argumentos invocados no debate sobre a questão constitucional

analisada. Embora causem algum impacto à primeira vista, são assuntos há

muito debatidos pela doutrina, devidamente enfrentados no voto do relator,

com a chancela do plenário do STF, razão pela qual apenas serão apontados

os contra-argumentos pertinentes.

Conforme já exposto, afirma-se que o artigo 226, §3ª, da Constitui-

ção, ao determinar que a lei facilite a conversão da união estável em casa-

mento, seria norma que autorizaria (ou mesmo imporia) um tratamento di-

ferenciado entre essas modalidades de família, pois só faz sentido converter

uma coisa em outra se essas coisas forem distintas

41

. Há quem vá mais além,

40 Muito pelo contrário. Analisando o panorama normativo muito mais rígido que vigeu na maior parte do século pas-

sado, que impedia a extinção do matrimônio malsucedido e a formação de nova família, aponta Maria Berenice Dias:

“Tantas reprovações, contudo, não lograram coibir o surgimento de relações afetivas mesmo sem amparo legal.

Não há

lei, nem de Deus nem dos homens, que proíba o ser humano de buscar a felicidade

” (DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das

Famílias. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2013. p. 173. Grifou-se).

41 Sempre lembrada, na defesa desse ponto, a lição do eminente professor José Carlos Barbosa Moreira: “Ao admitir a

união estável entre homem e mulher qual ‘entidade familiar’ posta sob a proteção do Estado, a Carta de 1988 inseriu a

matéria, de forma inequívoca, no âmbito do direito de família, diversamente do que faziam construções jurídicas como a

da ‘sociedade de fato’, colocada no plano do direito das obrigações. A partir daí, deixou de gozar o casamento da aptidão

exclusiva para servir de fundamento à família. Não ocorreu, porém, equiparação entre os dois institutos, ao contrário do

que se apressaram a sustentar alguns: a família resultante da união estável coexiste com a fundada no casamento, mas

aquela não se identifica com este. Tanto assim, que, segundo o texto constitucional, a lei deve facilitar a conversão da