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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 19, n. 4, p. 137 - 160, Setembro/Dezembro. 2017
entendendo que não bastaria que essas modalidades tivessem tratamento
distinto, devendo o regime do casamento necessariamente ser privilegiado,
uma vez que a lógica da Constituição seria a de facilitar a migração do casal
para um modelo familiar com mais direitos.
42
O raciocínio, todavia, revela-se apenas parcialmente correto. Com
efeito, é inegável que casamento e união estável são institutos distintos, sen-
do impróprio falar em equiparação entre eles. Mas, tratando-se, em última
instância, de diferentes modelos de família, essa distinção não é absoluta.
Há de se perquirir, portanto, à luz do princípio da isonomia, em que me-
dida tais institutos se aproximam e se afastam, a fim de determinar quais
seriam as diferenças de tratamento normativo legitimamente estipuladas
43
.
A questão foi enfrentada com percuciência por Gustavo Tepedino, que assim
os cotejou:
Aí está o cerne da questão: os efeitos jurídicos que decorrem
do ato solene consubstanciado pelo casamento, cujo substrato
axiológico vincula-se ao estado civil e à segurança que as rela-
ções sociais reclamam, não podem se aplicar à união estável
por diversidade de
ratio
. À união estável, como entidade fami-
liar, aplicam-se, em contraponto, todos os efeitos jurídicos pró-
prios da família, não diferenciando o constituinte, para efeito
de proteção do Estado (e, portanto, para todos os efeitos legais,
sendo certo que as normas jurídicas são emanação do poder
estatal), a entidade familiar constituída do casamento daquela
constituída pela conduta espontânea e continuada dos compa-
nheiros, não fundada no matrimônio.
Trata-se de identificar a
ratio
das normas que se pretende inter-
pretar. Quando informadas por princípios relativos à solenida-
união estável em casamento - o que não teria sentido se uma e outro já estivessem igualados” (BARBOSA MOREIRA,
José Carlos. O Novo Código Civil e a União Estável. Disponível em:
<www.direitodefamilia.adv.br/2008/artigos_pdf/Jose_Carlos_Barbosa_Moreira/novo.pdf>. Acesso em 27.04.2017).
42 Anderson Schreiber adverte quanto ao equívoco desta percepção: “Difundiu-se, todavia, o entendimento de que
na união estável os direitos dos companheiros não poderiam ser ‘tão fortes’ quanto os direitos dos cônjuges, devendo
consubstanciar necessariamente uma proteção ‘menor’ que aquela atribuída à esposa ou esposo. Tem-se aí grave erro
de perspectiva, que enxerga a união estável não como entidade familiar
diversa
, mas como entidade familiar
inferior
ao
casamento, quando o Constituinte não acolhe tal hierarquização” (SCHREIBER, União Estável e Casamento: uma equi-
paração?, op. cit.).
43 No elegante magistério de Luiz Edson Fachin: “Sabendo-se, entretanto, que o princípio da igualdade é passível de
ponderação com outros princípios de igual hierarquia, impende investigar se a discriminação feita pelo art. 1790 é, ou
não, positiva. Para tanto, é necessário identificar: (a) o
fator de discrímen
; (b) se há correlação lógica entre esse fator e a
discriminação legal
decidida em função dele; e (c) se ela atende aos
valores constitucionalmente consagrados
” (FACHIN, op. cit., p.
54-55, grifos no original).