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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 19, n. 4, p. 137 - 160, Setembro/Dezembro. 2017
Ao entender razoável o discrímen promovido pelo legislador, o Mi-
nistro Dias Toffoli transcreve trecho do debate legislativo que revelaria as
razões ponderadas pelo Congresso Nacional para justificar a manutenção de
regimes sucessórios diferenciados, do qual se reproduz a seguinte passagem:
A própria formulação do texto constitucional já é suficiente-
mente elucidativa a esse respeito: ‘... para efeito de proteção do
Estado, é reconhecida a união estável... devendo a lei facilitar
sua conversão em casamento’ (CF, art. 226, § 3ª).
É como se a união estável fosse tomada como um caminho para o
matrimônio, ou quandomuito como ummatrimônio incompleto,
muito embora já constituísse por si mesma, nos termos da regra
constitucional, uma ‘entidade familiar’. A natureza modelar do
casamento, sua irrecusável preeminência, reflete-se no Projeto, bas-
tando assinalar, a esse respeito, que na área do Direito de Família
a disciplina da união estável se limita a cinco dispositivos sequen-
ciados (arts. 1.737 e 1.739), e na área do Direito das Sucessões
é contemplada com um único dispositivo específico (art. 1.814),
além de dois outros aplicáveis tanto aos cônjuges quanto aos com-
panheiros (arts. 1.871 e 1.817). (grifou-se)
O excerto, no entanto, antes de demonstrar a razoabilidade da escolha
legislativa, acaba por expor o viés discriminatório que orientou a atuação do le-
gislador, afastado dos parâmetros legítimos de diferenciação acima expostos. A
afirmação de que a instituição da união estável seria ummeio para o acesso ao ma-
trimônio, uma espécie de
test drive
47
para o casamento, não encontra amparo se-
quer na sistemática do próprio Código Civil, que admite a tutela da união estável
indefinidamente, ainda que essa jamais venha a ser convertida em casamento.
Significativo, quanto ao ponto, o batismo do instituto pelo constituinte como
união
estável
. A preeminência do casamento, ao contrário do que consta da mani-
festação do legislador, pode ser facilmente refutada, pois fundada não em qualquer
critério racionalmente demonstrável
48
, mas apenas na tradição, que não deve ser
imune a uma valoração à luz da axiologia do ordenamento constitucional.
47 A expressão foi utilizada pela advogada Regina Beatriz Tavares da Silva, em sua sustentação oral perante o STF. Disponível
em:
<https://www.youtube.com/watch?v=UxgdcCxwlnc>, especialmente entre os minutos 26:10 e 27:20. Acesso em 26.04.2017.
48 Como explicado por Luiz Edson Fachin: “À medida que a família não mais se justifica em sua acepção abstrata, orga-
nicamente autônoma em relação à pessoa que nela se desenvolve, negar qualquer entidade familiar ou tratar as diferentes
entidades de forma discriminatória implica muito mais do que negar um modelo ou dar um tratamento diferente a dois
modelos constitucionalmente consagrados; implica negar a própria condição existencial de sujeitos concretos, que têm a
formação de suas personalidades reduzida concretamente em função do tratamento discriminatório feito pela lei em razão
de um modelo tradicional de família, que sequer guarda correspondência com a realidade vivida.
Inexiste, pois, justificativa ra-
cional à discriminação feita pelo art. 1.790 do CC/20002, uma vez que ela não visa à promoção da igualdade material de situações análogas,
revelando-se, tão somente, gratuita ou fortuita
” (FACHIN, op. cit., p. 55, grifou-se).