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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 19, n. 4, p. 137 - 160, Setembro/Dezembro. 2017
na ocasião de sua ruptura”
35
. Em outras palavras: a finalidade precípua da
união estável não é socorrer a liberdade de quem queira fugir dos efeitos do
casamento, mas sim o de tutelar as famílias que se formam sem o amparo
de um título formal.
A discussão sobre a amplitude da liberdade testamentária, justamente
por traduzir uma preocupação legítima, revela-se merecedora de profunda
reflexão e debate, permitindo o adequado equacionamento da tensão entre
solidariedade familiar e autonomia privada, sendo indevida a tentativa – vã
– de se resolver a questão por via oblíqua por meio da admissão de um regi-
me sucessório paralelo nas famílias formadas por união estável
36
.
Em conclusão, deve ser rejeitado o argumento em defesa da constitu-
cionalidade do artigo 1790, que sustenta ser o dispositivo norma ampliadora
da liberdade referente à escolha dos efeitos jurídicos decorrentes da forma-
ção de entidade familiar, por se tratar de concepção em descompasso com a
realidade social brasileira, justificada pela tentativa pouco efetiva de ampliar
a autonomia patrimonial no campo da sucessão, e por representar entrave
injustificado ao exercício da autonomia privada existencial no tocante ao
modo de constituição da família, embaraçado pela sua repercussão obrigató-
ria e muitas vezes indesejada no regramento sucessório.
5. AUSÊNCIA DE LIBERDADE E SUFOCAMENTO DO AFETO
Nos últimos anos, modificaram-se significativamente as lentes pelas
quais a ciência jurídica encara o afeto: de fenômeno desprovido de qualquer
juridicidade, a afetividade passou a ser reputada um verdadeiro pilar do direito
de família, levando parte da doutrina a cogitar até da existência de um prin-
cípio da afetividade
37
. Nesse contexto, impõe-se refletir com seriedade sobre
a possibilidade de a interpretação conferida a determinada norma jurídica
35 SCHREIBER, Anderson, “Famílias Simultâneas e Redes Familiares”, op. cit., p. 304.
36 É o alerta de Ana Luiza Maia Nevares: “No exame de tal questão, precisamos nos distanciar de uma reflexão mais
ampla, relativa ao dilema entre ampliar a liberdade testamentária em detrimento da proteção da família ou vice-versa. Em
2016, diante de uma família plural, democrática, de consagração da plena igualdade entre homens e mulheres e da clara
inserção da mulher no espaço público, bem como das famílias recompostas, quando não é incomum a sucessão hereditária
em segundos ou terceiros relacionamentos, com filhos comuns ao autor da herança e ao consorte sobrevivente e filhos
exclusivos do primeiro, é muito pertinente nos questionarmos sobre a posição do cônjuge e do companheiro na vocação
hereditária, ponderando se não seria o caso de ampliar a liberdade do testador em relação ao consorte. No entanto, esta
é questão para uma lei a ser criada, que não pode nos influenciar na análise em questão” (NEVARES, Ana Luiza Maia.
“Casamento ou União Estável?”. In: Revista Brasileira de Direito Civil, vol. 9, jul./set. 2016. p. 167). Na mesma direção,
as reflexões contidas no parágrafo final do texto de: SCHREIBER, Anderson. União Estável e Casamento: uma equipa-
ração? Disponível em:
<http://www.cartaforense.com.br/conteudo/colunas/uniao-estavel-e-casamento-uma-equipara-
cao/17554>. Acesso em 16.06.2017.
37 CALDERON, Ricardo Lucas. “Famílias: afetividade e contemporaneidade – para além dos códigos”. In: TEPEDINO;
Gustavo; FACHIN; Luiz Edson (Org.). Pensamento Crítico do Direito Civil Brasileiro. Curitiba: Juruá. 2011. p. 265-281.