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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 19, n. 4, p. 137 - 160, Setembro/Dezembro. 2017
Vê-se com clareza que a autonomia privada sucessória encontra rígi-
dos limites na disciplina legal. De um lado, a pertinência da legítima é maté-
ria candente na doutrina, opondo aqueles que entendem ser o instituto um
instrumento valioso de concretização do princípio da solidariedade familiar
aos que defendem se tratar de injustificada restrição à liberdade testamentá-
ria
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. Por outro lado, a própria sucessão legítima peca ao submeter os mais
diversos arranjos fáticos a um regramento monolítico, pouco preocupado
com a situação concreta do herdeiro e sua efetiva inserção na dinâmica fa-
miliar, sem permitir qualquer modulação por parte do autor da herança. É
o que defende Ana Luiza Maia Nevares:
Nesse cenário, questiona-se se essa proteção direcionada à pes-
soa de cada um dos que integra a entidade familiar encontra-se
na legítima dos herdeiros necessários, uma vez que, em relação
aos descendentes e aos ascendentes, por exemplo, não há qual-
quer diferenciação nas regras sucessórias com base nas caracte-
rísticas e especificidades dos herdeiros, bastando que integrem
tal categoria de parentes para que possam ser considerados her-
deiros necessários. [...]
As aludidas posições jurisprudenciais parecem direcionar a
análise para um debate mais amplo, a saber, aquele relativo à
imposição de uma legítima para certos parentes, demonstran-
do um reclame por uma ampliação da liberdade de testar e
por uma revisão da posição neutra do Direito Sucessório em
relação às singularidades dos chamados à sucessão.
Com efeito, diante da igualdade entre os cônjuges na família;
da maior expectativa de vida das pessoas, que leva à sucessão
em favor dos filhos quando estes já alcançaram a idade adulta e
aquela em que mais se produz e em favor dos pais quando estes
estão muito idosos e dependentes e, ainda, diante do fenômeno
cada vez mais comum da recomposição das famílias em virtude
dos divórcios e das novas núpcias, pondera-se se a proteção
à família extraída da legislação sucessória está realmente em
Anna Cristina de Carvalho. “Divergências Doutrinárias e Jurisprudenciais no Direito Sucessório: a sucessão do cônjuge
no regime da separação convencional de bens e a sua concorrência com descendentes nos casos de filiação híbrida”. In:
Revista Brasileira de Direito Civil, vol. 5, jul./set. 2015. p. 127).
31 Um bom panorama do debate pode ser encontrado em: TEIXEIRA, Daniele Chaves. “A necessidade de se revisitar
o instituto da Legítima”. In: MONTEIRO FILHO; GUEDES; MEIRELES (org.), Direito Civil, op. cit., p. 389-402.