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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 19, n. 4, p. 137 - 160, Setembro/Dezembro. 2017

consonância com a proteção da família fundada na pessoa de

cada um de seus membros, como determina o mandamento

constitucional fundado na dignidade da pessoa humana.

32

Nesse contexto, a defesa da manutenção de um regime específico de

sucessão para os companheiros se dá no afã de tentar ampliar, de modo

indireto, o espaço de liberdade das pessoas em determinarem o destino de

seu patrimônio após a morte. Ante a excessiva limitação imposta pela legis-

lação vigente, uma possível alternativa seria optar pela constituição da união

estável, que ofereceria uma vocação hereditária diferenciada em relação à

constante do artigo 1829.

Todavia, há que se reconhecer que o ganho promovido à liberdade do

autor da herança com a preservação do regime sucessório do companheiro

é mínimo, podendo fugir do bloco normativo rijo previsto no artigo 1829

apenas para se enquadrar no bloco igualmente estático do artigo 1790

33

. Fica

claro, desse modo, que a ideia de flexibilidade associada à família decorrente

de união estável não se revela totalmente verdadeira: não obstante o afasta-

mento da solenidade envolta na constituição da entidade familiar, os efeitos

trazidos pelo legislador revelam-se, por vezes, tão rígidos quanto aqueles

atribuídos ao casamento

34

.

A questão, porém, transcende análise do tratamento conferido pelo

legislador à matéria, impondo uma reflexão quanto ao objetivo da Consti-

tuição ao referir expressamente a tutela da união estável enquanto entidade

familiar. Não se buscou ampliar o “cardápio” de regimes jurídicos postos

à disposição do casal que desejasse constituir família, mas sim oferecer um

“meio de proteção às famílias formadas espontaneamente, à margem do

liame solene do matrimônio”, e que “restavam, quase sempre, desamparadas

32 NEVARES, Ana Luiza Maia. A proteção da família no Direito Sucessório: necessidade de revisão? Disponível em:

<http://www.cartaforense.com.br/conteudo/artigos/a-protecao-da-familia-no-direito-sucessorio-necessidade-de-revi-

sao/14753>. Acesso em: 26.04.2017.

33 Daí a impropriedade da manifestação da Procuradoria Geral de República no processo, ao afirmar que: “Diante de tudo

isso, tem-se que a união estável e o casamento são regidos pelo princípio da autonomia privada. Se inexiste impedimento

para o casamento e, mesmo assim, os conviventes optam pela união estável é por que a entendem mais adequada às suas

conveniências, necessidades e anseios,

afastando-se das rígidas regras decorrentes do casamento

” (Disponível em:

<http://www.stf.

jus.br/portal/processo/verProcessoPeca.asp? id=307752065&tipoApp=.pdf>. Acesso em 28.04.2017). Haveria, de fato,

uma maior flexibilidade no regime sucessório da união estável caso reconhecida a qualificação do companheiro como her-

deiro facultativo. No entanto, as mesmas razões que levam à inconstitucionalidade do artigo 1790, aduzidas mais à frente,

também impõem o reconhecimento do companheiro como herdeiro necessário. Trata-se, porém, de aspecto irrelevante

na análise da constitucionalidade do artigo 1790, pois essa maior liberdade decorreria não da vocação estipulada, mas sim

do afastamento do caráter necessário da herança do companheiro, que, em tese, poderia subsistir mesmo diante de um

tratamento igualitário entre cônjuges e companheiros quanto à ordem de vocação.

34 A questão do critério para a aferição de legitimidade das distinções de tratamento entre o casamento e a união estável

promovidas pelo legislador será objeto de olhar mais cuidadoso mais à frente.