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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 19, n. 4, p. 137 - 160, Setembro/Dezembro. 2017
desprestigiar o valor intrínseco da família, restringindo-a a um
aspecto meramente patrimonial, como costumava ocorrer pre-
teritamente à Constituição de 1988. (grifou-se)
Sob esse viés, desloca-se o enfoque da questionável liberdade para a
escolha de efeitos para o campo da livre escolha quanto ao modo de consti-
tuição familiar adotado, enquanto decorrência da autonomia privada exis-
tencial haurida do princípio da dignidade humana
23
:
O delineamento da estrutura familiar na Constituição é finaliza-
do com a conceituação do princípio constitucional da liberdade
para constituir família, decorrência da previsão constitucional do
princípio da liberdade (artigo 5ª,
caput
), inclusive como corolário
da dignidade humana (prevista no artigo 1ª, III, que se revela prin-
cipalmente ao supervalorizar a proteção das chamadas situações
existenciais, dentre as quais a autonomia privada para escolher
como formar a família, protegendo por igual, além da liberdade
do indivíduo, a igualdade material com os demais, sua integrida-
de psicofísica e instituindo um regime social de solidariedade). É
corrente na doutrina contemporânea a definição desse princípio
de liberdade como coincidente com o respeito à livre escolha e au-
tonomia para a constituição da família, realização dos indivíduos
dentro dela e sua extinção, sem qualquer imposição ou restrição
externa de parentes, da sociedade ou mesmo do legislador.
24
Destarte, quando contrapostas as duas expressões de liberdade pro-
pugnadas, a primeira fundada na autonomia para a escolha dos aspectos pa-
trimoniais
25
ligados à sucessão
causa mortis
, e a segunda ligada à autonomia
23 Sobre a fundamentação da autonomia privada existencial no princípio da dignidade da pessoa humana, oportuna a lição
de Rose Meireles: “Dessa forma, a autonomia privada não pode ser compreendida, hoje, sem o respeito à dignidade da
pessoa humana. Nas situações patrimoniais, tal fica marcada no art. 170 da Constituição da República, a sua funcionaliza-
ção às situações existenciais, visto que a livre iniciativa, base da ordem econômica, tem por fim assegurar a todos existência
digna. Com maior intensidade a dignidade da pessoa humana deve ser observada nas situações existenciais, pois nestas
a pessoa integra, ao mesmo tempo, seu núcleo de interesse e função. A liberdade constitucional do art. 5º tem conteúdo
negativo, insuficiente para abraçar a tutela positiva das situações existenciais. Por isso,
o fundamento constitucional da autonomia
privada nas situações jurídicas subjetivas existenciais se encontra na própria dignidade humana
que tem como um dos seus postulados
a liberdade no sentido positivo e negativo” (MEIRELES, op. cit., p. 106, grifou-se).
24 NAMUR, Samir. Autonomia Privada para a Constituição da Família. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2014. p. 135.
25 Ou, ao menos,
eminentemente
patrimoniais. Não se pode olvidar o caráter muitas vezes dúplice das situações jurídicas
subjetivas, sob pena de escamotear a complexidade inerente à realidade social. Sobre a instigante temática, seja consentido
remeter a: TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado; KONDER, Carlos Nelson. “Situações Jurídicas Dúplices: controvérsias
na nebulosa fronteira entre patrimonialidade e extrapatrimonialidade”. In: TEPEDINO, Gustavo; FACHIN, Luiz Edson
(orgs.). Diálogos sobre Direito Civil, vol. III. Rio de Janeiro: Renovar. 2012. p. 3-24. Especificamente no caso em exame,