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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 19, n. 4, p. 137 - 160, Setembro/Dezembro. 2017

sucessórias aplicáveis não significa necessariamente que este seja um aspecto

relevante da decisão tomada.

Aliás, para que esse fator sequer seja considerado, ele precisa ser ante-

riormente conhecido pelo casal, o que não parece ser a regra na nossa reali-

dade social. No imaginário popular, a união estável acaba sendo equiparada

a um “casamento de fato”, especialmente em razão da unidade funcional

entre os institutos, intuitivamente percebida mesmo por quem não possui

formação jurídica: uma vez configurados, ambos dão origem a uma família,

assim reconhecida pelo Direito. Quem já tentou explicar a um leigo que a

situação de duas pessoas que vivem como se casadas fossem, são socialmente

percebidas como casadas e são juridicamente vinculadas (assim como as pes-

soas casadas), configura, em verdade, uma união estável, e não um casamen-

to, fatalmente experimentou a frustração de ter suas considerações liminar-

mente rejeitadas pela convicta afirmação de que “eles estão é casados sim!”

A confusão é potencializada pela identidade do regime de bens su-

pletivo, que tanto na união estável como no casamento é o da comunhão

parcial de bens (arts. 1640 e 1725 do CC). No momento da constituição da

família, é natural que as atenções recaiam sobre o regime de bens, relegando

a um segundo plano cogitações acerca dos efeitos sucessórios

14

, ou mesmo

presumindo que, sendo iguais os efeitos patrimoniais quanto ao regime de

bens, o mesmo se daria em relação à sucessão

causa mortis

.

Não se pode desconsiderar, ainda, o não raro cenário no qual a deci-

são de constituir família é tomada sem qualquer reflexão prévia quanto aos

aspectos patrimoniais envolvidos, seja em razão do fato de o casal não pos-

suir um acervo patrimonial expressivo, seja por reputar “mesquinho” pensar

em dinheiro em um momento no qual o afeto deveria prevalecer.

Ainda que se trate de casal precavido, atento aos potenciais reflexos

de suas escolhas existenciais sobre seu patrimônio, e que deseje investigar as

consequências sucessórias do modelo de família que adotarão, o direito po-

sitivo brasileiro não contribui para o esclarecimento das dúvidas que podem

14 O que pode ser explicado, em parte, pela tendência humana de evitar pensar na própria morte: “Quando retrocedemos

no tempo e estudamos culturas e povos antigos, temos a impressão de que o homem sempre abominou a morte e, pro-

vavelmente, sempre a repelirá. Do ponto de vista psiquiátrico, isto é bastante compreensível e talvez se explique melhor

pela noção básica de que,

em nosso inconsciente, a morte nunca é possível quando se trata de nós mesmos. É inconcebível para o inconsciente

imaginar um fim real para a nossa vida na terra

e, se a vida tiver um fim, este será atribuído a uma intervenção maligna fora de

nosso alcance. Explicando melhor, em nosso inconsciente só podemos ser mortos; é inconcebível morrer de causa natural

ou de idade avançada. Portanto,

a morte em si está ligada a uma ação má, a um acontecimento medonho

, a algo que em si clama

por recompensa ou castigo” (KÜBLER-ROSS, Elisabeth. Sobre a Morte e o Morrer: o que os doentes têm para ensinar

a médicos, enfermeiras, religiosos e aos seus próprios parentes. 7. ed. Tradução de Paulo Menezes. São Paulo: Martins

Fontes. 1996. p. 14. Grifou-se).