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DECISÕES
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Direito em Movimento, Rio de Janeiro, v. 25, p. 59-176, 1º sem. 2016
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que trazem intrinsecamente a ideia de qualidade para si, surgindo compul-
são pela aprovação, fazendo com que o indivíduo da sociedade moderna
substitua valores morais pelo desejo de brilhar, de ser melhor que os ou-
tros, de impressionar, ou de ser importante.
O esforço pela aprovação, para provar uma coisa ou para se sentir
incluído torna-se uma luta constante e totalmente inútil. Nada que não seja
autêntico pode trazer satisfação. Mesmo que experimentando “vitórias
temporárias” – admiração, aprovação, seja o que for – a sensação final
será de insatisfação e desamparo.
O processo de consumo traz questões acerca da subjetividade dos
sujeitos e, nas concepções freudianas de sujeito e constituição, Freud
(1895)
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desenvolveu um conceito fundamental para a análise da constitui-
ção do sujeito: o desamparo. Dessa feita, para esse autor, o desamparo é
uma condição inerente ao ser humano, considerando-o como a dimensão
a partir da qual se desenvolverá a vida psíquica do sujeito.
Nesse diapasão, verifica-se que, na sociedade moderna, os indivídu-
os são submetidos aos seus desejos e os fornecedores apresentam seus
produtos com a promessa de gratificação total. E esse desejo, sensorial
e ilusório, passa a ser realizável. Daí observa-se uma cultura em torno da
imagem, da aparência, da boa forma, da juventude, que encontra supor-
2 “A partir dessa leitura do sujeito observado por Freud (1895), podemos pensar a cultura do consumo nessa
sociedade moderna. Segundo o autor psicanalítico, o nascimento é a primeira experiência de ansiedade e de-
samparo pela qual passa o indivíduo, pois, com o corte do cordão umbilical, dá-se início a um irreversível pro-
cesso de adaptação e luta pela sobrevivência. A criança quando abandona o mundo uterino inicia um processo
de desenvolvimento rumo à realidade concreta: simbolicamente, marca a passagem da gratificação completa
à permanente falta. Segundo Freud (1895), essa primeira experiência de ansiedade do ser humano, ou seja,
a criança anteriormente fundida com a mãe, ao deixar seu casulo da vida uterina, entra em contato com a
realidade que, de início, é uma fonte intensa de ansiedade. À medida que a criança começa a perceber a mãe
como objeto externo, surge o receio de perdê-la, pois é a fonte do alimento, do cuidado e do carinho. E sempre
o afastamento da mãe é visto como uma ansiedade para a criança. Com o passar do tempo, a mãe tem outros
interesses e necessidades, não podendo estar disponível na totalidade. A partir daí, a criança começa sentir
uma perda e, para recuperar o suposto amor perdido da mãe, quer obter o reconhecimento e a sua aprovação.
No texto Projeto para a Psicologia Científica, Freud (1895) desenvolve o conceito de desamparo, apontando-o
como uma característica diferencial e constitutiva do ser humano, que nunca poderá ser superada pelo sujei-
to, pois este buscará sempre meios que possam, ainda que ilusoriamente, suprimi-lo. Então, esse desamparo
ou vazio não é somente constitutivo do sujeito, como é também constituinte. O ser humano sempre terá um
busca constante do que possa satisfazer-lhe, preenchendo um vazio inaugural e, em uma repetição pela busca
de aprovação, de questões observadas anteriormente em relação à sociedade de consumidores.” (Confira: O
Fenômeno do Superendividamento in Revista Luso-Brasileira de Direito do Consumo, vol. IV, n. 15, setembro de
2014, pag. 167, editora Bonijuris).