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ARTIGOS
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Direito em Movimento, Rio de Janeiro, v. 23, p. 47-100, 2º sem. 2015
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Conclusão
Sabemos que a tipificação penal do feminicídio pode não ser suficien-
te, considerando que na lei penal subsiste o controle patriarcal contra a
mulher. Ainda assim, parafraseando Célia Amorós, “conceptualizar es poli-
tizar“, ou seja, os conceitos críticos possibilitam a visibilização de determi-
nados fenômenos que não se apresentavam a partir de outras orientações
e, por sua vez, essa visibilidade nutre e permite novos conceitos críticos.
Que esses conceitos sejam incorporados nas instituições, em especial no
Direito e no Direito Penal em específico, é essencial para que o problema
se faça presente na discussão pública. Dar visibilidade aos assassinatos de
mulheres, em vez de tratá-los como mero crime passional, elevando-o a
uma categoria jurídica, ainda é uma agenda pendente, para a qual a tipifi-
cação é um passo decisivo, e que pode fazer com que ocorram mudanças
estruturais na nossa sociedade permitindo uma reforma geral de toda a
legislação e das políticas públicas que, seja expressa ou tacitamente, con-
tenham preceitos discriminatórios.
Por tudo isso, a tipificação do feminicídio inaugura um novo momen-
to, em que as formas de combate à violência contra a mulher, longe de ser
uma questão resolvida, deve cada vez mais ser discutida. Essencial para
que essa discussão se dê, porém, é justamente a inclusão do termo femi-
nicídio no léxico do direito, que, como vimos, é talvez a principal contri-
buição do novo sistema. Assim, não deve o justificado entusiasmo diante
dessa conquista obstar-nos de imediatamente submetê-la à crítica, o que
em muito sentido se faz necessário.
Ademais, ainda que todo texto esteja, pela natureza da linguagem,
sujeito a indeterminações que possibilitem diferentes interpretações, cer-
tas ambiguidades poderiam ter sido evitadas pelo legislador. Ao referir-se
à violência doméstica, por exemplo, o texto legal parece dar margem à in-
terpretação segundo a qual uma irmã que matasse outra irmã, por razões
de ser ela mulher, cometeria feminicídio. Uma correta interpretação desse
texto, contudo, deveria levar em conta que, sendo a finalidade da lei um
crime relacionado ao machismo e a opressão patriarcal sobre as mulheres,
ao que ele se refere deve ser, necessariamente, à violência praticada por