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DEBATES JURISPRUDENCIAL
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Direito em Movimento, Rio de Janeiro, v. 23, p. 17-46, 2º sem. 2015
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mes contra a segurança da honra e honestidade das famílias e do ultraje
público ao pudor”. Em seu Título VIII, o art. 268 apresentava as penalida-
des a quem “estuprar mulher virgem ou não, mas honesta”, o que mostra
o quanto as mulheres são controladas por sua sexualidade. O Código Penal
de 1940 manteve a expressão “mulher honesta” em várias passagens. Ao
indicar a existência de “tipos de mulheres”, a legislação mostrava haver a
aplicação de penalidades diferentes, quando fossem violados os direitos
da mulher pública/prostituta ou da mulher honrada/honesta.
Assim, o assassinato das mulheres era uma conduta socialmente acei-
tável, explicável pela lógica patriarcal e capitalista, que converte as mulhe-
res em coisa apropriável. O controle da sexualidade feminina ainda é in-
tenso. A ela se atribui a responsabilidade de manter a família na estrutura
patriarcal autoritária.
No assassinato de mulheres, encarado como crime passional, os au-
tores eram frequentemente absolvidos sob a tese da legítima defesa da
honra. A primeira grande reação a este estado de coisas veio de juristas
como Roberto Lyra, Carlos Sussekind, Caetano Pinto de Miranda Montene-
gro e Lourenço de Mattos Borges, que fundaram o Conselho Brasileiro de
Hygiene Social e se empenharam em punir os crimes passionais, mas não
estavam interessados na proteção das mulheres, e sim na manutenção da
instituição família (Besse, 1999, p. 90).
Afrânio Peixoto condenou o romantismo do século XIX por exaltar a
tal ponto a emocionalidade que até mesmo crimes passionais sanguinários
eram glorificados. A “razão”, dizia ele, “pode e deve conter as paixões”.
Roberto Lyra chegou a sugerir que o Estado deveria intervir para impedir
casamentos baseados em “amores impróprios, desonestos ou loucos”, afi-
nal, a sociedade precisa de casamentos sadios e bem equilibrados. Aconse-
lhava-se, à época, substituir a romântica união por amor por casamentos
com amor “civilizado”, “higiênico”, dotado de razão, excluindo as paixões,
responsáveis pelos crimes passionais sanguinários (Besse, 1999, p. 69).
Um forte movimento pela defesa da vida das mulheres e pela punição
de seus assassinos ocorreu após 30 de dezembro de 1976, quando Ângela
Diniz foi morta por Doca Street, de quem desejava se separar. As mulheres