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DEBATES JURISPRUDENCIAL

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Direito em Movimento, Rio de Janeiro, v. 23, p. 17-46, 2º sem. 2015

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Assim, pelos argumentos do Acórdão, a mulher protegível pela Lei

Maria da Penha é aquela submissa aos poderes do homem. A propósito, diz

o Acórdão: “Notoriamente verifica-se que a indicada vítima nunca foi uma

mulher oprimida ou subjugada aos caprichos do homem”, traduzindo-se

numa censura, ainda que indireta, a particulares traços de personalidade

que se tornaram conhecidos pela exposição à mídia, mas que nem sequer

se tem certeza de que a personalidade representada pela mídia coincide

com a realidade e, ainda que coincidente, a ninguém é dada a subtração de

direitos por conta de sua personalidade.

Nesse aspecto, o fundamento do acórdão é absurdo e inadmissível.

Absurdo porque não admite contraprova. Ora, se o julgador diz que nega

um direito sob o argumento de que a pessoa não é vulnerável, como se

provar o contrário? A prova em contrário é impossível. Sua busca geraria

uma odiosa exposição da vida privada e da dinâmica da relação do casal,

com violação da intimidade. Exigiria da vítima a afirmação de sua vulnera-

bilidade, o que a expõe a uma situação de auto-humilhação.

Em seus fundamentos, o Acórdão inverte o sentido e a

ratio legis

da

Lei. A razão de ser da lei é a necessidade de proteção da mulher nas situ-

ações de violência de gênero. Em sua realidade concreta, a violência con-

tra a mulher se expressa em dinâmicas de poder e afeto que submetem

as mulheres a uma situação de dominação e opressão. Há um sistema de

crenças (machistas) que considera essa situação como “natural”. Mas ela

é socialmente construída e mantida pelas relações de força que sustentam

ideologicamente a dominação e a opressão da mulher.

O Acórdão está equivocado ao dizer que:

"Com efeito, vimos aí a

ratio legis

, o que significa dizer que

a lei deve ser aplicada contra violência intrafamiliar, levando

em conta a relação de gênero, diante da desigualdade social-

mente construída.

Por outra forma, temos o campo de sua aplicação guiada

pelo binômio hipossuficiência e vulnerabilidade em que se

apresenta culturalmente o gênero mulher no conceito fami-

liar, que inclui relações diversas movidas por afetividade ou

afinidade. "