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DEBATES JURISPRUDENCIAL

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Direito em Movimento, Rio de Janeiro, v. 23, p. 17-46, 2º sem. 2015

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3. HÁ MULHERES A QUEM NÃO SE APLICAM AS MEDIDAS PROTETI-

VAS DA LEI MARIA DA PENHA?

Ao acórdão sob análise podemos lançar a seguinte indagação: há mu-

lheres a quem não se aplicam as medidas protetivas da Lei 11.340/2006? É

essa pergunta que a decisão enseja.

O fundamento da decisão não se assenta no fato de se tratar de

uma violência de namorado contra namorada, conforme refutado no

próprio Acórdão.

O fundamento da decisão repousa numa simples análise dos persona-

gens do processo: dois atores renomados e famosos.

Entendeu-se que o campo de atuação e aplicação da Lei Maria da Pe-

nha está traçado pelo binômio hipossuficiência e vulnerabilidade, e que a

indicada vítima não pode ser considerada uma mulher hipossuficiente ou

em situação de vulnerabilidade.

O fundamento do acórdão está equivocado, tanto por conside-

rar que uma mulher famosa não estaria numa situação de submissão

e opressão como por considerar que um famoso não pratica violência

de gênero contra uma famosa. O que está por trás desse argumento é

a suposição de que uma mulher famosa é indomável e jamais se envol-

veria numa situação de violência de gênero, esquecendo-se de que o

alimento da violência é a luta pela dominação que, encontrando resis-

tência, gera violência. Em suma, a violência ocorre pela busca da opres-

são. É uma relação de luta: de um lado, o poder masculino e, de outro, o

contrapoder feminino em resistência. O argumento do acórdão traduz

a suposição de que, em se tratando de dois famosos – ou de dois po-

derosos –, pode-se deixá-los resolver a questão por si. Deixando-os à

própria sorte, ou seja, à sorte do mais forte e aos desdobramentos ini-

magináveis. Aliás, o desenrolar da briga é previsível estatisticamente:

violência contra a mulher. Em outras palavras, o Acórdão é praticamen-

te uma punição à mulher insubmissa, pois é como se dissesse “você que

não foi boazinha, foi rebelde e malvada, você que é forte, não precisa

que o Estado venha a seu socorro. Agora prove que é forte e se vira”.