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DEBATES JURISPRUDENCIAL

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Direito em Movimento, Rio de Janeiro, v. 23, p. 17-46, 2º sem. 2015

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Nessa esteira de raciocínio, o acórdão conclui que não é a toda im-

putação de violência de gênero contra a mulher que será aplicável a Lei

Maria da Penha.

Com todas as letras, o acórdão absurdamente ressalta: “Aplicar-se essa

importante legislação a qualquer caso que envolva apenas o gênero mulher,

estar-se-ia inviabilizando os Juizados de Violência Doméstica e Familiar”.

Na visão dos julgadores, a Lei Maria da Penha só é aplicável para “im-

pedir a violência do opressor contra a oprimida”, vale dizer, à mulher que

se submete ou foi submetida ao poder do homem, ou seja, à mulher que

não lutou ou à que perdeu a luta por sua dignidade e autonomia. Se a mu-

lher não for submissa e oprimida, a ela não se aplica a Lei Maria da Penha,

assim julgou o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.

Sem dúvida nenhuma, trata-se de uma decisão machista, não basea-

da no direito vigente.

O ordenamento jurídico brasileiro visa a proteger a mulher contra to-

das as formas de discriminação e violência. Isso se deduz não apenas da

própria denominação da legislação aplicável ao tema (Convenção sobre a

Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW),

Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência con-

tra aMulher (Convenção de Belémdo Pará)), como tambémdas disposições

da Lei nº 11.340/2006. Há, ainda, a Lei 13.104/2015, que introduziu no ordena-

mento nacional a figura do feminicídio como qualificadora do crime de ho-

micídio praticado contra a mulher por

razões da condição do sexo feminino.

Tal legislação é aplicável a toda e qualquer mulher que esteja sendo

vítima de violência e opressão por parte de seus “amados” (sejam mari-

dos, companheiros, namorados, etc.). Não há razão legal ou jurídica para

diferenciar mulheres oprimidas e não oprimidas, famosas ou não famosas,

boazinhas ou malvadas, obedientes ou insubmissas, de personalidade fra-

ca ou forte. Se há violência, há opressão. A razão de existência da lei é a

vulnerabilidade da mulher à violência, a sua situação de hipossuficiência

em relação à agressão masculina, que, a cada ano, transforma milhares de

mulheres em cadáveres.