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DEBATES JURISPRUDENCIAL

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Direito em Movimento, Rio de Janeiro, v. 23, p. 17-46, 2º sem. 2015

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Para isso, parte-se de uma análise acerca das relações de poder na

dinâmica dos relacionamentos afetivos. O título do artigo − “Quem precisa

da Lei Maria da Penha?” − enseja, portanto, um duplo sentido: de um lado,

indica uma discussão sobre a incidência da Lei; e, de outro, faz uma ironia

ao sistema de justiça criminal ao questionar a eficácia e a aplicação da Lei.

1. RELAÇÕES AMOROSAS E RELAÇÕES DE PODER

A violência contra a mulher ocorre no contexto das relações amoro-

sas e de poder. É preciso, pois, distinguir o que é uma relação de amor e o

que é uma relação de poder.

Parece que o amor “foge a dicionários e a regulamentos vários”

1

. O

amor parece ser algo assim “sem razão”. “Amor é amor a nada, feliz e

forte em si mesmo”

2

.

Há uma bela (in)explicação numa letra de Chico Buarque: “Sei que o

que tinha que ser se deu/Porque era ela/Porque era eu”

3

.

Talvez o “eu te amo” traduza isso: eu (indivíduo) tenho por você (ou-

tro indivíduo) esse sentimento de amor. Um indivíduo é uma unidade de

poder. Cada indivíduo é um ser individuado: pensa, deseja, quer, não quer,

tem suas próprias opiniões e decisões. Mas nem tudo está dentro da nossa

racionalidade e do nosso controle. O amor é o que nos bagunça e nos hu-

maniza. E porque não conseguimos traduzir o humano, também não con-

seguimos traduzir o amor: eu amo você porque eu sou eu e porque você é

você. O amor acontece “porque era ela, porque era eu”. Se não fosse, não

seria o mesmo amor.

Conforme expõe Roland Barthes (2003, p. 11), “Encontro em minha

vida milhares de corpos; desses milhares, posso desejar algumas centenas,

mas dessas centenas, amo apenas um. O outro de que estou enamorado

me designa a especialidade de meu desejo”.

1 Poema “As sem-razões do amor”, de Carlos Drummond de Andrade.

2 Idem.

3 Música “Porque era ela, porque era eu”, de Chico Buarque de Holanda.