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ARTIGOS
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Direito em Movimento, Rio de Janeiro, v. 16 - n. 1, p. 15-41, 1º sem. 2018
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nhum dos casos, como visto, o objetivo do consumidor deve ser o de frus-
trar os credores. Mesmo na modalidade ativa, o consumo deve ser acompa-
nhado da fidúcia do consumidor em sua capacidade de pagamento.
A nova redação do artigo L711-1 traz duas inovações: 1) a previsão de
que mesmo o consumidor que possua um imóvel residencial de valor su-
perior ao total de suas dívidas pode pleitear o tratamento do superendivi-
damento; 2) a extensão do conceito de superendividamento para os casos
de dívidas oriundas de contrato em que a pessoa física se obrigou como
garantidora (fiança, caução, aval etc) ou como devedora solidária de uma
sociedade empresária ou de um empresário individual.
A primeira inovação busca assegurar o direito à moradia por meio do
bem de família. Já a segunda novidade garante que a natureza profissional
das dívidas de um empresário (individual ou pessoa jurídica) não alcança
o devedor pessoa física que figure como garantidor ou devedor solidário
daquelas, permitindo-lhe pleitear o tratamento de superendividamento.
Em verdade, trata-se de uma cisão entre o contrato principal que gerou a
dívida profissional e o contrato acessório de garantia ou de solidariedade,
desde que, neste, figure como coobrigada uma pessoa física.
Além disso, o artigo L711-2 encerra uma norma de extensão, de alcan-
ce extraterritorial, ao permitir que devedores superendividados de nacio-
nalidade francesa, ainda que domiciliados fora da França, requeiram o tra-
tamento a que fazem jus, mas exclusivamente por conta das dívidas não
profissionais contraídas em face de credores estabelecidos naquele país.
O dispositivo, assim, flexibiliza o requisito geral de que o tratamen-
to do superendividamento alcance todas as dívidas do devedor, uma vez
que, mesmo que também possuam dívidas no estrangeiro, os superendi-
vidados franceses poderão ser beneficiados com o procedimento no que
tange às dívidas contraídas nacionalmente.
O artigo L711-3, por sua vez, reforça que o devedor que se enquadre
nos procedimentos do
code de commerce
para enfrentamento das “dificul-
dades comerciais” oriundas de dívidas profissionais não pode se valer do
tratamento do superendividamento.